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Profissionalização do Professor
e
Desenvolvimento de Ciclos de Aprendizagem
Faculdade de Psicologia e das Ciências da
Educação
Universidade de Genebra
1999
Reformas do terceiro tipo e formação dos professoresA profissionalização da docência no interior das reformas do sistema educacional
A organização da escola em ciclos de aprendizagem, principalmente a primária, está sendo discutida em vários países desenvolvidos. Em alguns sistemas escolares ela já foi adotada no papel, mas sua implementação tem sido apenas parcial. Em outros planejou-se uma implantação progressiva entre 1995 e 2005, como na Bélgica e no cantão de Genebra. Outros, ainda, fizeram experiências limitadas, que resultarão talvez numa lei de orientação à francesa ou numa extensão progressiva à maneira belga ou suíça, ou quem sabe ainda num terceiro caminho.
Qualquer que seja o processo e seu nível de desenvolvimento, a organização da escola em ciclos de aprendizagem permanece ainda como um projeto, uma vez que nenhum sistema educacional de fala francesa conseguiu implantar em larga escala uma escola sem séries que promova apenas ciclos de aprendizagem para serem percorridos em dois, três ou quatro anos. O que se observa por ora é principalmente uma vontade de acabar com as barreiras das séries adjacentes, de tornar as progressões mais fluidas, abolindo ou limitando a repetência, de levar os professores a gerir um ciclo de maneira solidária, mediante um trabalho de equipe, se possível, no interior de um projeto da escola. Enfim, falando claramente, os ciclos são, por enquanto, apenas uma intuição; não somos capazes ainda de concebê-los e fazê-los funcionar promovendo uma ruptura clara e definitiva com a segmentação do curso em anos letivos com programas definidos. Embora tenha havido aqui e ali experiências de escolas sem séries desde o início do século, não se dispõe, no entanto, de nenhum modelo verdadeiramente convincente. Parece que as organizações pedagógicas desseriadas, em funcionamento nos países escandinavos e em outras regiões européias, não podem ser transpostas com facilidade para sistemas nos quais os conteúdos dos saberes têm um lugar importante e onde há uma forte seleção escolar no segundo grau (Perrenoud, 1996f, 1996g)
Encontramo-nos, pois, pelo menos nos países francófonos, numa dinâmica de inovação bastante particular: é necessário desenvolver o sistema educacional, em larga escala, numa direção determinada, mas sem dispor de um modelo preciso de referência em direção ao qual possamos caminhar em etapas. A inovação em larga escala toma então a forma de uma "pesquisa-ação", envolvendo todos os atores do sistema em vez da difusão de um modelo completo já testado no interior de uma experiência piloto.
Podemos nos perguntar por que nesse caso não se procede segundo o método habitual: aplicação em escolas experimentais e depois generalização. Sem dúvida é porque aos poucos se compreendeu que esse modelo só funciona, na realidade, para inovações essencialmente tecnológicas, impostas por um poder forte. Quando se trata de modificar as práticas pedagógicas, nos defrontamos com resistências ativas ou estratégias de fuga de atores suficientemente autônomos e hábeis para rejeitar &endash; aberta ou veladamente &endash; toda inovação vinda de fora, a menos que lhes ofereçamos a possibilidade e o poder de se apropriarem delas e de as reconstruírem no seu contexto. Não se pode mudar as representações, as práticas, as culturas profissionais por decreto. Se conseguimos, graças a condições favoráveis, construir essa mudança em pequena escala, o problema de sua generalização persiste. Sabe-se que é inútil querer transmitir modelos pensando que eles serão espontaneamente adotados por todo ator informado e de boa vontade que busca uma solução racional para o mesmo problema.
Ao reunir, numa pequena escola alternativa uma dúzia de professores experientes, bem formados, determinados, seduzidos pela idéia dos ciclos de aprendizagem teríamos a oportunidade de nos livrar definitivamente do curso por programas seriados, de conseguir individualizar o percurso de formação dos alunos e dirigir suas progressões diferenciadas durante todo um ciclo. Teríamos então um funcionamento baseado na experiência bem como os saberes provenientes dela, que poderíamos tentar descrever e propor a outras escolas. É preciso simplesmente admitir que esse modelo, longe de poder ser simplesmente adotado, poderia alimentar e acelerar um processo original de cada estabelecimento. Para que essa apropriação fosse possível seria necessário ainda criar um clima favorável e poder contar com a receptividade às idéias vindas de fora...
Não nego a pertinência da idéia de uma divisão do trabalho no âmbito do processo de inovação. Nem todo mundo pode se esforçar na mesma medida. Digo apenas que é preciso romper com a idéia simplista de que uns inventam e outros aplicam. Isso não impede que se distingam fases em todo processo de mudança planificada.
Nesse sentido, a renovação genebrina do ensino primário propõe uma fase de exploração intensiva de quatro anos, durante a qual cerca de quinze escolas vão elaborar e experimentar propostas novas, e uma fase de extensão progressiva que atingirá aos poucos o conjunto dos outros estabelecimentos. Essa renovação se desenvolve em torno de três eixos, que é interessante lembrar aqui, já que se trata de criar ciclos de aprendizagem:
Esses eixos indicam direções de pesquisa, não soluções prontas:
Ao final da fase de exploração intensiva, as quinze escolas implicadas não terão desenvolvido, segundo os três eixos, um modelo de organização e funcionamento suficientemente unívoco e pertinente para que seja imposto a todas as escolas primárias do sistema com a palavra de ordem: juntem-se a nós! A fase de extensão progressiva que se abrirá então &endash; se as conjunturas políticas e financeiras e os conflitos sociais que elas engendram o permitirem &endash; será uma fase de pesquisa e desenvolvimento voltada, agora, para o conjunto das escolas primárias. Pode-se simplesmente esperar que as tentativas e reflexões da fase de exploração intensiva tenham encerrado o leque das hipóteses de trabalho, detectado alguns impasses, desenvolvido alguns instrumentos, conceitos, conhecimentos e métodos passíveis de serem utilizados por outros e propiciado uma revisão de textos portadores de estruturas e de currículos mais favoráveis à individualização do percurso, à cooperação profissional e à centralização no aprendiz.
Esse modelo de mudança não é unânime, sem dúvida. Ele pode mesmo se defrontar com a oposição tanto daqueles que não querem nada mudar e quanto dos que não compreenderam que não se muda a escola mediante novas leis, mesmo se bem-feitas, mas por uma evolução das representações e das práticas, conduzida com coerência e perseverança durante pelo menos dez anos. Entretanto, as reformas espetaculares que não deixam traços têm um belo futuro ainda, pois elas podem fazer a felicidade tanto dos políticos que querem deixar a sua marca na escola quanto da fração mais conservadora dos professores, que sabem que basta abaixar a cabeça sob a tempestade e esperar as próximas eleições para que os ventos mudem...
Não me refiro aqui a uma visão da mudança que o sistema político e o educacional teriam claramente adotado. Ao mesmo tempo, as trajetórias genebrinas e belgas sugerem que certos sistemas, baseados na experiência das últimas décadas, não acreditam mais na magia das reformas relâmpagos e tentam planejar a mudança pensando-a ao longo de várias administrações.
Mudemos agora de registro. Não se trata de generalizar uma fórmula testada em pequena escala, mas de pôr o conjunto do sistema educacional em movimento. É melhor então conduzir um processo de inovação em larga escala, que autorize e encoraje cada escola a progredir, sem reinventar a roda, mas sem adotar um modelo pronto, numa espécie de alternância entre momentos de imitação inteligente e momentos de invenção.
A dificuldade dessa estratégia está no fato de que a reorganização da escola em ciclos de aprendizagem não supõe apenas uma adesão ideológica seguida de uma passagem ao ato. Essa passagem exige novas competências e uma outra relação com a profissão. Deparamo-nos pois com um problema de nível de formação dos professores e, sobretudo, com a questão da sua profissionalização. Essas questões serão abordadas nos dois capítulos principais deste artigo.
Reformas do terceiro tipo e formação dos professores
As reformas de estrutura e de programas são legítimas, mas elas só dão frutos se acompanhadas por novas práticas. Toda reforma importante é em última instância uma reforma de terceiro tipo (Perrenoud, 1990) que se dirije aberta e institucionalmente para o cotidiano dos alunos e professores nas classes e nas escolas. As reformas do primeiro tipo referem-se às estruturas escolares em sentido restrito: etapas, organização do curso. As reformas de segundo tipo transformam os currículos. Hoje, isso não é suficiente, é preciso atingir as práticas, a relação pedagógica, o contrato didático, as culturas profissionais, a colaboração entre professores. Não nos enganemos, a introdução dos ciclos de aprendizagem é uma reforma do terceiro tipo, ainda que aparentemente ela se apresente como uma reforma de estrutura e de currículo. No final das contas, são as práticas profissionais que é preciso transformar. Os valores, as atitudes, as representações, os conhecimentos, as competências, a identidade e os projetos de cada um são portanto decisivos. Trata-se daquilo que os tecnocratas chamam de "fator humano", que passa pela formação.
Reformas do sistema educacional e formação inicial
O que nos ensina o fracasso parcial de quase todas as reformas escolares, além das diferenças de contexto e de conteúdo? Que a mudança quase sempre foi pensada para um corpo de professores que ainda não existia, pelo menos em larga escala, no momento decisivo. É por isso que os professores de hoje na sua maioria não estão dispostos, nem preparados para praticar uma pedagogia ativa e diferenciada, envolver os alunos no andamento dos projetos, conduzir uma avaliação formativa e trabalhar em equipe.
O balanço das reformas escolares mais ambiciosas é em geral mitigado. Incrimina-se a formação dos professores, suspeita de não estar "à altura". Daí, chegar a sonhar com uma preparação específica para dada reforma, projetada ou em curso, é só um passo, logo realizado. Por que não associar a toda reforma uma formação inicial coerente, fornecendo ou desenvolvendo as competências requeridas? Ora, é preciso cair na realidade: são necessários muitos anos para pôr em prática uma renovação importante da formação inicial dos professores. Em geral, é o tempo necessário para que uma reforma escolar afunde ou seja esquecida! Ademais, se ela fosse feita em tempo, uma renovação da formação inicial só atingiria, de imediato, uma fração marginal do corpo docente, seriam "os novos professores", cujos sonhos de mudança seriam, de resto, desde sua entrada na função, fortemente temperados pela cultura profissional em vigor na maioria das escolas.
Quer dizer com isso que não se deve atuar na formação de professores? Em absoluto. Mas seria bom que nos inspirássemos no discurso de um médico homeopata quando consultado por causa de uma forte gripe. Ele diz que pode atenuar os sintomas, mas que é tarde demais para intervir nas causas profundas. Mas ele nos tranqüiliza: fizemos bem em procurá-lo, porque haverá tempo de impedir a próxima gripe, reforçando nossos próprios mecanismos de defesa.
As reformas escolares são indicadores preciosos da defasagem entre a formação dos professores e o que se julga que eles podem fazer hoje. Essa defasagem não pode ser resolvida no momento. Mas podemos antecipá-la e tentar atenuá-la para a "próxima vez". Ora, pode-se argumentar que é agora que se necessita de competências, a próxima vez será uma "outra vez", que exigirá outras competências em um outro contexto. Isso seria subestimar o fato de que as reformas escolares sucessivas se confrontam em larga medida com os mesmos problemas: a desigualdade das oportunidades, o fracasso escolar, a dificuldade de encarar a heterogeneidade, de diferenciar a ação pedagógica, de tornar a avaliação mais formadora, de dar sentido ao trabalho escolar, de inserir os alunos em projetos, de individualizar os percursos de formação, de abrir a escola para a vida, de tornar a pedagogia mais ativa e participativa, de construir a cidadania, de generalizar a cooperação etc. Cada época traz uma linguagem nova para exprimir os problemas. E cada reforma define esses problemas a sua maneira, levando em conta o espírito do tempo, estilos pedagógicos dominantes, conjuntura econômica e demográfica, relações entre forças políticas e sindicais. Essas singularidades não deveriam mascarar o essencial: repensa-se o trabalho, porque o resultado não foi satisfatório.
"Dá pra melhorar!", é o motor das reformas escolares. Philippe Meirieu ironiza dizendo que a escola faz reformas enquanto a medicina faz progressos. A diferença é talvez menor do que a fórmula sugere, pois as reformas educacionais, como os progressos da medicina, são respostas, sempre limitadas e insatisfatórias, a questões fundamentais, que voltarão a surgir enquanto não forem resolvidas. As reformas escolares participam da busca do Graal e apresentam, desse ponto de vista, a vantagem de continuidade que sugerem as palavras de ordem do momento. Tive a oportunidade de analisar em outro trabalho (Perrenoud, 1996b) os "velhos demônios da escola", dentre os quais a exclusão como resposta à heterogeneidade, a indiferença às diferenças, a pedagogia da transmissão ou o furor pedagógico. Cada reforma prioriza alguns deles, mas todos estão ligados.
Podemos pensar em uma certa coerência a longo prazo das reformas do sistema educativo e em renovações da formação inicial, mas não é realista esperar sincronizar as mudanças no curto espaço de tempo de uma reforma do sistema educacional, como procurei mostrar mais detalhadamente em outra ocasião (Perrenoud, 1996h). Desse modo, é importante que a formação inicial se volte para as políticas de educação no sentido de:
De fato, quem acreditaria numa política de educação cujas instituições de formação inicial não se mostrassem globalmente solidárias? Seria o sinal de uma divisão de forças ou de uma retórica reformadora sem força sobre os atores.
Reformas do sistema educacional e formação continuada
As transformações da formação de professores podem significar algo mais do que sinais da vontade de reforma? A formação continuada parece uma alavanca de transformação mais fácil de acionar a curto prazo. Ela poderia, pois, mais do que a formação inicial, estar "em sintonia" com as reformas educativas do momento. Mas isso não é assim tão simples, pois nos defrontamos com mais um paradoxo: não se pode esperar que a formação continuada sendo ainda debilmente implantada num sistema educacional exerça uma influência maciça sobre o corpo docente em serviço; porém, ao contrário, se ela for fortemente desenvolvida, institucionaliza-se e burocratiza; corre-se o risco de que siga a tendência de toda organização: tornar-se um Estado dentro de um Estado, mais preocupada em garantir seu próprio desenvolvimento do que servir a uma política de conjunto (Perrenoud, Montandon, 1988).
Mesmo se o governo ou outros poderes têm a legitimidade e a autoridade suficientes para mobilizar os organismos de formação continuada na direção das reformas, seria ingênuo esperar que os formadores detenham a solução de todos os problemas. Eles podem, no máximo, contribuir para refletir sobre e acompanhar a busca coletiva de soluções. Quando uma empresa adota um sistema de tratamento de textos ou de dados, ela envia seu pessoal em formação para uma instituição cujos formadores detêm o domínio desejado. Sua única tarefa é compartilhá-lo. As reformas escolares colocam um problema inteiramente diferente: as competências e conhecimentos requeridos não estão lá à espera de que o corpo docente venha se apropriar deles. Os formadores não os detêm, eles têm, quando muito, alguns meios suplementares de contribuir para seu esclarecimento e sua construção. Encontram-se na situação dos médicos de hoje a quem se pediria prevenir ou curar a AIDS: os professores de medicina não se encontram mais avançados do que os próprios médicos em serviço. Aqueles, estão mais ligados à pesquisa, mas como compartilhariam soluções que ninguém ainda encontrou?
Essa impotência é reforçada pela sociografia particular do corpo de formadores no campo escolar: a formação continuada é largamente oferecida por professores que trabalham meio período ou que se liberaram das aulas há pouco. Esse fenômeno é mais acentuado no segundo grau do que no primeiro, provavelmente em razão das atitudes dos professores do segundo grau, responsáveis por uma resistência maior para admitir os aportes das ciências da educação e mesmo das didáticas das disciplinas e um desejo manifesto de "não receber lições de pedagogia de ninguém". Os formadores de formação continuada são, pois, no segundo grau, com maior freqüência, colegas que estão apenas um pouco à frente daqueles que eles formam. Encontram-se de certo modo na mesma situação das escolas rurais que, no último século e, em certas regiões, ainda hoje, "herdaram" de um educador um pouco mais instruído do que seus alunos maiores, que se informava na última hora, lendo os manuais às vésperas da aula... Conhecemos também o modelo inverso: certos formadores distanciam-se de seu meio profissional de origem para construir uma identidade puramente teórica e oferecer a seus antigos colegas um discurso tão abstrato que não ajuda ninguém.
No ensino fundamental, a globalidade do desenvolvimento e das aprendizagens favoreceu uma abertura maior às ciências humanas e uma acumulação de experiências que a separação disciplinar desencoraja. Uma parte dos formadores apresentam pois um nível de formação claramente superior à média de seus colegas tendo buscado num mestrado de ciências da educação uma legitimidade e uma formação universitárias que seus colegas do ensino médio já se crêem portadores.
No entanto, mesmo no caso de um desempenho favorável, a formação continuada, assim como a jovem mais linda do mundo, só pode oferecer aquilo que tem. Ela faz parte do sistema educacional e não pode ter dez anos de avanço em relação à identificação e à resolução dos problemas. Pode, contudo, contribuir de maneira decisiva para o sucesso de uma reforma, sob duas condições:
Uma tal evolução demanda mais do que alguns meses. É importante, pois, que os formadores e as instituições de formação continuada sejam, sempre que possível, associadas à gênese das reformas e possam antecipá-las no seus planos de formação.
Em Genebra, como em outros sistemas educacionais, o encaminhamento para a formação nas escolas está em alta. Pode estar ocorrendo um modismo e uma nova norma: após terem sido oferecidos exclusivamente cursos fora das escolas, a formação continuada parece, em certos sistemas, orientar-se inteiramente para a intervenção nas escolas. Tais movimentos polarizadores são excessivos, algumas modalidades podem e devem coexistir. Em todos os casos, só nos resta apoiar e suscitar situações favoráveis à mudança de representações e de práticas: o redirecionamento para as escolas fornece alguns trunfos suplementares para adentrar a complexidade, mas suscita igualmente resistências e não provoca milagre algum... Além do mais, se possibilita, por um lado, uma melhor observância das dinâmicas locais e propostas de formação sob medida, não modifica necessariamente a substância das contribuições dos formadores. Transferir um curso de didática para o interior de uma escola não é suficiente para torná-lo mais adequado!
Mais que um redirecionamento, trata-se de trabalhar na junção de duas correntes num primeiro momento separadas: de um lado a intervenção na escola, às vezes para desfazer um conflito ou uma crise, e mais freqüentemente para acompanhar a gênese ou a evolução de um projeto; por outro lado, a resposta a necessidades de formação próprias a uma equipe pedagógica ou uma escola. Donde a necessidade de integrar novas dimensões à reflexão sobre a formação continuada: a reflexão sobre as práticas, o trabalho em equipe e a cooperação profissional, as dinâmicas de escola (Gather Thurler, 1993, 1994, 1996; Hutmacher, 1990; Obin, 1993; Perrenoud, 1994d; 1996i, j) e uma assimilação da experiência e dos conhecimentos acumulada no campo da formação de adultos fora do mundo escolar...
Trata-se assim de desenvolver competências mais do que transmitir conhecimentos. Uma parte dos estágios de formação continuada propõe essencialmente teorias e métodos, isto é, conhecimentos de natureza expositiva e procedimental, que são apenas ingredientes de competências profissionais. Claro, todo mundo fala hoje de desenvolvimento de competências. Essa linguagem de moda, falsamente familiar, leva a subestimar a amplitude da mudança de perspectiva. Uma abordagem por competências requer uma reconstrução completa dos dispositivos e dos processos de formação continuada. É possível dimensionar um pouco melhor o problema usando o exemplo do ensino primário genebrino, que procura desenvolver, à margem da renovação evocada e da formação inicial feita integralmente em nível universitário (Perrenoud, 1994a, 1994b, 1996d), uma abordagem por competências em formação continuada.
Dez grandes campos de competências foram definidos:
Cada campo se compõe de um certo número de competências mais específicas, que mostram mais concretamente o vínculo com a individualização dos percursos ou a organização da escola em ciclos de aprendizagem. Eis, por exemplo, o detalhamento dos quatro primeiros campos mais centrados nos aspectos pedagógicos e didáticos; os demais dizem respeito sobretudo às relações entre adultos:
de referência |
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a progressão das aprendizagens |
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evoluir dispositivos de diferenciação |
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os alunos com sua aprendizagem e seu trabalho |
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O detalhamento pode ser encontrado no catálogo das ofertas de formação continuada editado pelo ensino primário genebrino. Como vemos, trata-se por um lado de competências novas, ainda marginais na definição da profissão há dez anos, ou assumidas sem ser verdadeiramente acatadas. Essa lista não esgota a gama de competências profissionais e não constitui portanto em absoluto um "referencial profissional" exaustivo. Ela cobre na verdade as necessidades prioritárias quanto à renovação empreendida.
Esse referencial tem várias funções, sendo que cada uma mereceria uma discussão à parte:
Percebe-se aqui o início de uma conexão mais forte entre reformas escolares e formação continuada mediante a linguagem das competências. Mesmo se esta é sua ambição e se ela busca os meios para tal, a formação continuada não pode, sozinha, transformar as competências do corpo docente, que estão submetidas ao controle do meio profissional e da experiência pessoal.
Por outro lado, como veremos, a organização da escola em ciclos de aprendizagem e a individualização dos percursos demandam mais do que uma extensão das competências dos docentes e do quadro superior. A renovação exige não apenas um enriquecimento da formação, mas uma mudança radical do nível de formação e de identidade profissional dos professores. As reformas exigem pois uma nova "profissionalidade docente" ou um processo acelerado de profissionalização (Altet, 1994; Bourdoncle, 1991, 1993; Carbonneau, 1993; Lessard, Perron, Bélanger, 1993; Perrenoud, 1994a, 1996e).
A
profissionalização da docência
no interior das reformas do sistema
educacional
Ir em direção a um nível sem precedentes de competências profissionais é visar um salto qualitativo, isto é, alcançar a identidade profissional.
Um nível sem precedentes de competências profissionais
O único objetivo das reformas é permitir aos que não assimilam os conhecimentos escolares aprender melhor e mais rapidamente. O resto é sem interesse. Para que então abalar o sistema se encontramos as clássicas hierarquias entre aqueles que aprendem quase que sozinhos, não importa o sistema, aqueles que conseguem êxito com ajuda e aqueles que são de antemão destinados ao fracasso e à exclusão?
Lutar contra o fracasso escolar é pois conseguir soluções mais engenhosas e mais humanas lá onde a realidade resiste (Hutmacher, 1993). Para tanto, são necessários dispositivos pedagógicos e didáticos mais complexos, mais sofisticados, mais flexíveis, para que sejam mais eficazes. Não funcionaria sem um aumento de competência dos atores.
É possível pensar que isso é próprio de um período de desenvolvimento e que, uma vez colocados em prática, tais dispositivos poderiam ser confiados a agentes medianamente qualificados, como uma central nuclear que funciona sem necessidade de colocar em cada função engenheiros de alto nível. A escola jamais funcionará como uma central pois os procedimentos jamais serão codificáveis no mesmo nível sobre bases científicas estabelecidas, pois a parte do trabalho prescrito permanecerá marginal mesmo em estruturas escolares novas, uma vez que as tecnologias e os sistemas inteligentes não poderão se sobrepor à inteligência humana, essa "inteligência viva" (Cifali, 1994), com capacidade para enfrentar a complexidade, a ambigüidade, o movimento das situações e das relações educativas.
Se quisermos atacar radicalmente o fracasso escolar, será necessário igualar o nível de formação do corpo docente ao do corpo dos engenheiros ou dos médicos, isto é, não ao nível de um corpo de teóricos ou de pesquisadores fundamentais, mas de um corpo de praticantes reflexivos, capazes de fundar sua ação e a análise dessa ação numa cultura científica e no conhecimento dos trabalhos de pesquisa tanto quanto em saberes profissionais coletivamente capitalizados.
Por isso é importante:
É a esse preço que os professores, sem reinventar a roda, tornar-se-ão co-autores dos dispositivos pedagógicos e didáticos, e poderão conseqüentemente adequar boas idéias provenientes da pesquisa ou da experiência dos outros à realidade de cada terreno.
Uma nova identidade e um esforço de mudança
Não nos encontramos &endash; e não sabemos se um dia chegaremos &endash; no estágio em que alguém sabe o que é preciso fazer para impedir o fracasso escolar. Sabemos o que não se pode fazer, observam-se instituições promissoras, abrem-se pistas, mas o restante ainda está para ser inventado.
1. A criatividade é indispensável, porque é impossível conceber em detalhes as "reformas do terceiro tipo"; é útil propor textos, mas esses não são suficientes; constituem, no máximo, "condições necessárias", as quais incitam e autorizam, mas a avaliação formadora, as pedagogias ativas, o diálogo com as famílias não se decretam mediante textos oficiais. Eles supõem a adesão profunda dos atores; nenhuma das reformas escolares dos últimos anos é de fato uma resposta, pois propõem um processo, um método e objetivos, deixando às escolas e aos professores a tarefa de desenvolver pistas e traduzir intenções gerais em dispositivos e em práticas.
2. A responsabilização decorre do anterior: não se pode inventar dispositivos e práticas sem dispor de uma forte confiança, de uma delegação de poder no âmbito de projetos de escolas e de equipes pedagógicas sólidas; nenhuma reforma obterá sucesso se os professores não obtiverem mais poder em seu trabalho, individual e coletivamente, não por meio de diálogo de cúpula entre as associações profissionais e o ministério, mas num diálogo na escola entre professores, direção, parentes e instituições organizadoras. A autonomia dos docentes é então não uma "liberdade de contrabando", aquela de que desfrutamos de portas fechadas, por causa da opacidade das práticas, mas uma autonomia assumida, pois os professores são os que têm as melhores condições para decidir as modalidades de trabalho no quadro global traçado pelos objetivos de formação e por um código de ética. Essa autonomia não existe sem responsabilidade; qualquer tomada de posição sobre sua profissão (empowerment, dizem os anglo-saxões) exige um novo modo de prestar contas (accountability, dizem ainda os anglo-saxões, por sua vez, traduzida em Quebec por um bárbaro neologismo: imputabilité [imputabilidade]).
3. O investimento é necessário já que a construção de práticas e dispositivos alternativos não ocorre sem um trabalho intenso de cooperação e de inovação, ou seja uma ruptura, com o individualismo e a rotina. Esse investimento não se desenvolverá se os sistemas educacionais não inventarem novas formas de reconhecimento do trabalho das escolas, das equipes e dos docentes; reconhecimento no sentido mais terra a terra &endash; retorno, condições de trabalho, meios de ensino e de inovação &endash;, mas, também, reconhecimento simbólico, consideração, confiança, avaliação construtiva.
O déficit maciço das finanças públicas e as políticas, em geral a curto prazo, de governos endividados não permitem um grande otimismo quanto a isso. O "façam o máximo com o mínimo" nunca foi muito mobilizador, com exceção talvez dos períodos mais sombrios da história e quando a classe política se vê como porta-voz dos interesses vitais do país, como garantia do bem comum. Poucos ministros da educação sabem, hoje, encontrar o tom com que Churchill se dirigiu aos britânicos durante os anos terríveis da guerra.
No estado de tensão em que se encontram os atores do sistema educacional em certas sociedades desenvolvidas, pode parecer meio surrealista falar de reformas, e mais ainda de profissionalização, de práticas reflexivas, de novas competências. Portanto, se não encararmos de frente esses problemas vamos nos confrontar de década em década com a mesma impotência. Nada nos assegura que voltaremos a ter um crescimento que permita dizer "sim" a cada um. Talvez o pessoal da escola deva aceitar que o período de crescimento contínuo do orçamento da educação seja uma época acabada, que de agora em diante será necessário justificar os recursos investidos, mesmo quando eles aumentam. Encontramo-nos de todo modo num paradoxo: se esperamos conjunturas favoráveis para preparar as reformas, sabemos que elas tomarão rumos diferentes, pois, mais uma vez, não fomos capazes de antecipá-las. É por isso que, não importa a conjuntura, é preciso um trabalho a longo prazo sobre a profissionalização da educação e da elevação das correspondentes competências.
Fazer da necessidade virtude
A evolução da escola transforma, de década em década, por um movimento duplo, a profissão de professor: ambições crescentes, condições de trabalho cada vez mais difíceis. Em outra oportunidade (Perrenoud, 1994a) resumi as transformações que sofrem os sistemas educacionais: a) concentração de populações "de alto risco" em certos bairros; b) diversificação cultural e étnica dos estudantes; c) heterogeneidade crescente das conquistas escolares a serem consideradas no interior de uma classe; d) fluidez na divisão do trabalho educativo entre a família e a escola; e) inflação e renovação rápida dos saberes escolares e dos processos didáticos; f) busca de objetivos de mais alto nível taxonômico, mas difíceis de ser respeitados e avaliados; g) concorrência selvagem das "escolas paralelas", as mídias e hipermídias e as novas tecnologias; h) enfraquecimento dos investimentos voltados para um futuro mais distante (no future) e degradação do sentido dos estudos; i) visando à democratização dos estudos, fim dos "herdeiros", alunos que trazem do berço os códigos culturais e as aspirações que asseguram trabalho e sucesso escolar sem que a escola tenha de fazer muito esforço.
Poderíamos acrescentar, em certas zonas urbanas, a pulverização do contrato social capaz de permitir o funcionamento das escolas e da relação pedagógica em condições mínimas de serenidade: violência e trabalho escolar não se casam muito bem (Develay, 1996).
Essas transformações são, paradoxalmente, o prêmio para o sucesso da empresa escolar: tendo generalizado, em seguida alongado a instrução obrigatória, que se tornou uma passagem obrigatória para ter acesso aos diplomas e ao emprego, tendo alimentado em todos os pais o sonho de ver seus filhos ter acesso a estudos longos, tendo preparado para cada um "a armadilha escolar", o sistema educacional se confronta agora com as gerações formadas. Enquanto no início do século, por exemplo, o diploma do colegial na França só era concedido a 1 aluno dentre 20, hoje pretende-se que ele seja um objetivo para todos. Não nos surpreenderemos então de encontrar nas escolas crianças e adolescentes que, há 50 anos, escapavam muito mais rápido da escolaridade para mergulhar no mundo do trabalho agrícola, industrial ou doméstico, crianças que nem a origem social e familiar nem projeto próprio preparavam para vivenciar o jogo escolar tão bem quanto os filhos da burguesia.
Ao mesmo tempo, apesar da crise econômica ou dos déficits das finanças públicas, designa-se à escola objetivos cada vez mais ambiciosos. Não é mais suficiente aprender a ler, escrever e contar; a complexidade das sociedades contemporâneas exige competências de níveis mais altos para todo mundo sob pena de caminhar para uma sociedade dual, controlada por um pequeno número de experts e criadores à custa de um grande número de desempregados-consumidores...
Outros setores vivenciaram transformações de amplitude semelhante, por exemplo a mídia. Mas, diferentemente da escola, suas transformações foram trazidas por evoluções tecnológicas espetaculares. Rádio, vídeo, computadores, redes, CD-ROM fizeram sua aparição no mundo escolar, mas permanecem à margem. As ambições agudas e os desafios novos clamam, antes de mais nada, por aquilo que chamávamos nos anos 60 de "potencial humano". Os professores não fracassaram em sua tarefa, nem individual nem coletivamente. "Simplesmente" espera-se muito mais do que há 50 ou mesmo 20 anos atrás, em condições mais difíceis. Isambert-Jamati (1985) mostra, por exemplo, que até a década de 1950, o fracasso escolar não era um problema social e não era objeto de políticas de educação. Não havia problema para escolarizar todos os alunos. Desafio apenas anotado naquela época, hoje ainda permanece vivo em regiões menos desenvolvidas da Europa e parece um sonho no Terceiro Mundo. Querer ensinar e que todos obtenham êxito é uma utopia muito moderna. O princípio de educabilidade defendido pelos movimentos pedagógicos inovadores &endash; "todos capazes", clama o GFEN &endash; torna-se pouco a pouco o credo da facção mais progressista no interior dos sistemas escolares, com a aliança decisiva das forças de esquerda, tomadas pela justiça social, e de forças mais gestionárias, desejosas de desenvolvimento econômico e de substituição da mão-de-obra. Essa aliança é o motor da democratização dos estudos em sentido amplo. Mas possibilitar os estudos prolongados a um grande número de pessoas é tão-só uma parte do problema. É preciso ainda que a maioria dentre elas tenha êxito, isto é, encontre sentido no trabalho escolar e capitalize suficientemente as aquisições para sobreviver ao longo do curso. Todos os sistemas educacionais se confrontam com aquilo que em Quebec se chama décrochage scolaire [desconexão escolar], abandono puro e simples dos estudos por alguns, renúncia a todo interesse e a toda ambição por outros, que prosseguem, mas sem projeto, por falta de alternativa, acreditando sem dúvida que ir à escola é mais interessante que ser um jovem desempregado.
A organização da escola em ciclos de aprendizagem e a individualização dos percursos de formação não são pois reformas marginais (Perrenoud, 1994d, 1995). Elas enfrentam um desafio que, sem ser novo, se torna urgente: passar da escolarização à formação de todos. Em 30 ou 40 anos, vamos rir da linguagem e dos modos pedagógicos contemporâneos, como rimos hoje das ingenuidades cientificistas e otimistas dos anos 1950-1960.
Teremos nós enfim operado uma ruptura irreversível? A escola mudou nesses cinqüenta anos, mas diante do fracasso escolar, seu balanço é medíocre. O nível global de formação sem dúvida aumentou, mas não na mesma proporção da complexidade das sociedades. E os excluídos do sistema escolar são talvez mais excluídos hoje que ontem, sem dúvida porque eles são, paradoxalmente, minoritários. Como mostra Hutmacher (1993), as classes médias obtiveram o que queriam e a escala das desigualdades deslocou-se para o alto.
O problema da desigualdade perante a escola se reconstruiu, mas não é nem mais simples nem mais gritante. Talvez se comece a entender que só se pode enfrentá-lo acelerando a profissionalização e aumentando o nível de formação dos professores. Mesmo se isso já foi entendido, nada assegura que haverá resultados: o espetáculo dos sistemas educacionais confrontados com a crise sugere, sobretudo, que sua capacidade de antecipar está em queda livre. É verdade que isso parece vantajoso, de um ponto de vista estritamente orçamentário, frear, e mesmo fazer regredir a profissionalização do professor. É, a longo prazo, economicamente e culturalmente absurdo, mas quem se preocupa com longo prazo nas democracias?
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O artigo discute os problemas, impasses e possibilidades da organização da escola em ciclos de aprendizagem destacando que não basta a adesão ideológica para que ela se concretize. A sua efetivação exige novas competências, contexto em que se coloca a temática da formação e profissionalização do professor.
ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO &endash; FORMAÇÃO DE PROFESSORES &endash; APRENDIZAGEM &endash; DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO
PROFESSIONALIZATION OF THE TEACHER AND THE DEVELOPMENT OF LEARNING CYCLES. The article discusses the problems, impasses and possibilities for organizing school into learning periods, pointing out that ideological adhesion is insufficient for such organization to be realized. Its effectiveness demands new competence, a context into which the theme of training and professionalization of the teacher is placed.
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