Apresentação

Lídia Jorge é uma autora portuguesa de renome internacional. A sua obra de ficção, distinguida com numerosos prémios em Portugal como no estrangeiro, conta com 23 títulos (doze romances, seis coletâneas de contos, duas peças de teatro e três livros de literatura infantil), incluindo ainda um ensaio, uma recolha de crónicas e um livro de poesia. A sua obra traça um retrato da sociedade portuguesa ao debruçar-se sobre a história recente, a identidade, as contradições que a percorrem, através de um olhar crítico e sensível sobre os deserdados do mundo contemporâneo. Lídia Jorge nasceu no Algarve em 1946 e começou a publicar em 1980, uma década que marcou uma viragem na literatura portuguesa de que destacarei dois aspetos: um número assinalável de mulheres entre os escritores, hoje famosos, que começaram então a publicar, o passado colonial e ditatorial como tema de relevo em muitas obras.

A escrita de Lídia Jorge destaca-se pela sua originalidade, pelo seu apego à terra natal que a viu nascer, e pelo seu estilo reconhecível à primeira leitura apesar da diversidade de temas que são tratados nas suas obras. Mulher comprometida na luta por uma sociedade mais justa, vê a arte literária também como intervenção. As suas obras captam o público essencialmente através de três vetores: a capacidade de criar atmosferas que submergem o leitor transportando-o para outro mundo, criado por uma escrita sensual que torna presentes sons, cores, cheiros, ambientes; pelo caráter universal dos sentimentos das personagens, ainda que suscitados por questões bem concretas, como as tensões da sociedade com as suas forças conservadoras, os conflitos entre gerações, as ruturas familiares, a condição feminina, a emigração, a rejeição daquele que é diferente, mas também o amor; a necessidade de interpelar e de inquietar o leitor.

Desde o seu primeiro romance, O Dia dos Prodígios, a história nacional está presente através das histórias de vida das pessoas simples, aldeões e soldados: uns e outros sem se darem conta do prodígio que tinha sido a revolução de 1974. Uns demasiados implicados no processo em curso e alheios à situação dos aldeões que pareciam viver num mundo dum outro tempo; estes, vítimas do atraso e do imobilismo que país, demasiado ocupados com os seus pequenos prodígios quotidianos. A revolução voltará à sua obra. Depois de ter servido de pano de fundo a Notícia da Cidade Silvestre, é-lhe dedicado um romance, Os Memoráveis. A revolução é tratada nessa obra como uma fábula maravilhosa e exemplar. O romance é um discurso sobre os discursos, interrogando a forma de representar a revolução ao longo dos anos, como é descrita hoje pelos diferentes atores da sociedade: os jovens que não a viveram, aqueles que a fizeram e a sociedade em geral. Que resta hoje da revolução na sociedade portuguesa, particularmente tocada pela crise no momento de redação do romance? Antes desta obra, a autora já tinha tratado outros temas difíceis e nada consensuais, como o da guerra colonial, com A Costa dos Murmúrios, ou o do retorno dos portugueses das colónias, com A Noite das Mulheres Cantoras. Nos dois romances o ponto de vista é feminino, o que não é comum no tratamento destes temas, entretecendo as questões históricas com questões universais, como o fim de um amor, a influência dominadora de um elemento num grupo, ou ainda a obrigação imposta às mulheres de se conformarem aos cânones estéticos dominantes para poderem ter sucesso. A discriminação do outro é o tema de O Vento Soprando nas Gruas, criando uma das personagens mais cativantes da sua obra, a jovem Milene, e uma imagem do seu Algarve natal, vítima dos ventos da modernidade. Na última coletânea de contos, Lídia Jorge deixa Portugal e corre as sete partidas do mundo. Em O Amor em Lobito Bay, os nove contos passam-se nos quatro cantos do mundo, pois hoje em dia cruzar fronteiras tornou-se uma banalidade. Trata-se de nove ficções que nos apresentam diferentes aspetos da violência contemporânea, como se a autora procurasse a origem do mal, para nos expor as etapas perniciosas que nos podem conduzir a aceitá-lo como inevitável ou justificado. É proposta uma salvação a esse desassossego que as histórias suscitam: falar do assunto! A ilocução é uma etapa decisiva para as personagens tomarem consciência, do mesmo modo que a comunicação literária o pode tornar-se para os leitores, justificando a sua afirmação “escrever é uma forma de resistir”. Para isso é preciso estar atento ao mundo que nos rodeia, compassivamente, procurando ver o que muitas vezes está à vista de todos, sem ser visto. É disto que nos fala Estuário, o seu último romance.

 

Prémios Literários:

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