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Título original em francês : Formation continue et obligation de compétences dans le métier d´enseignant, Genève, Faculté de psychologie et des sciences de léducation, 1997. |
Formação Continua e Obrigatoriedade de Competências na Profissão de Professor
Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação
Universidade de Genebra
1998
Tradução de Luciano Lopreto
Revisão técnica da tradução de Maria José do Amaral Ferreira.
I. Formação Contínua e Desenvolvimento de Competências ProfissionaisIII. A Obrigatoriedade de Competências : uma Avaliação em Busca de Atores
IV. Prestar Contas, sim, mas como e a quem ?
Os quatro capítulos deste texto retomam quatro artigos complementares publicados em L´Educateur (Perrenoud, 1966 a, b, c e d). O primeiro propõe orientar mais explicitamente a formação contínua para a construção de competências profissionais coerentes com a evolução da profissão de professor e do sistema educativo. O segundo situa a avaliação dos professores entre uma impossível obrigatoriedade de resultados e uma estéril obrigatoriedade de procedimentos, e propõe uma obrigatoriedade de competência. O terceiro capítulo analisa ambivalências e reticências dos interessados, que fazem da avaliação dos professores uma avaliação à procura de atores. O último capítulo sugere alguns dispositivos gerais e específicos de profissionalização, de observação formativa e de controle.
A partir do ano letivo 1996-97, no ensino primário de Genebra, grande parte da formação profissional contínua passa a ser organizada em dez áreas prioritárias, cada uma compreendendo várias competências básicas. A área " trabalho em equipe ", por exemplo, recobre cinco competências básicas, entre as quais " gerir crises ou conflitos entre pessoas ". Embora tal referencial de competências (que será detalhado no quadro anexo apresentado ao final) devesse ser inteligível e talvez útil em si mesmo, é preferível situá-lo num contexto e relembrar sua origem.
Esse referencial representa uma etapa de um projeto conduzido pela Comissão de Formação, comissão paritária instituída no ensino primário de Genebra, composta por seis representantes da administração escolar (direção, inspeção e serviços) e por seis representantes da Sociedade Pedagógica de Genebra (professores e formadores), a fim de debater, em conjunto, problemas de formação. Aos trabalhos da comissão estão associados dois professores da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, já que, desde 1996, a formação inicial dos professores primários de Genebra está inteiramente confiada à universidade. Esta vem assumindo, desde os anos 30, um terço dessa atividade, contribuindo também, aliás há muito tempo, para a formação contínua dos professores. É nesse sentido que tentarei apresentar uma abordagem por competências que se aplica tanto à formação inicial quanto à formação contínua .
Das reciclagens à formação contínua
A formação contínua dos professores encontra-se em vias de institucionalização, mas está ainda à procura de seu lugar. Nos cantões romanches, ela tem assumido muitas vezes uma dupla face :
As reciclagens obrigatórias estão sendo progressivamente abandonadas. Não mais fazem parte do esprit du temps. Não se pode apostar na profissionalização, nos projetos da escola, na responsabilização e, ao mesmo tempo, convocar os professores através de medidas autoritárias ; não se pode solicitar que sejam consideradas as diferenças entre alunos e, ao mesmo tempo, ignorar as diferenças entre os professores ; as reciclagens-padrão são, enfim, por demais elementares para alguns e claramente insuficientes para outros.
Quanto ao aperfeiçoamento, ele respeita a liberdade de escolha de cada um, mas, em contrapartida, deixa o sistema educativo bastante desprovido da articulação necessária entre política educacional e formação contínua. Além disso, a livre escolha produz em todo lugar um fenômeno, agora conhecido, que podemos caricaturar assim : 25% dos professores, os mais ativos do corpo docente, consomem 75% da formação, enquanto que os 50% menos envolvidos praticamente não participam dela.
Os sistemas educativos, portanto, estão à procura de um meio-termo entre o autoritarismo e a livre opção, isto é, buscam uma política de formação contínua incentivadora e orientada por objetivos a longo prazo, sem ser coercitiva.
Isso passa por vários avanços :
1. Integração da formação contínua à legislação e à tarefa docente, sob dupla forma :
2. Gestão paritária da formação contínua pela administração escolar e pelas associações profissionais, ou pelo menos o estabelecimento de alguns acordos sobre as grandes linhas de orientação.
3. Desenvolvimento da formação contínua na própria escola, em articulação com um projeto (de pesquisa-ação, de inovação ou de formação).
4. Criação de um corpo de formadores e de serviços que garantam a oferta regular de formação contínua em temas que não estejam distantes demais das práticas profissionais, dos programas, dos modos de funcionamentos específicos da escola.
5. Articulação com a formação inicial, ou seja, a formação contínua deve implicar numa forma de continuidade e de acompanhamento da primeira, cada uma delas se adaptando à evolução da outra e do sistema.
O cantão de Genebra, a grosso modo, atravessou essas etapas à sua maneira, pelo menos no que diz respeito ao ensino primário. Hoje, ele passa por um novo momento, que prioriza a articulação mais forte da formação contínua a um referencial de competências e a uma política educacional.
Formação e competências
O desafio é, primeiramente, o de colocar explicitamente a formação contínua a serviço do desenvolvimento das competências profissionais. Parece óbvio ? Não necessariamente. Algumas modalidades de reciclagem ou de aperfeiçoamento ampliam a cultura, a informação ou os talentos artesanais ou técnicos dos professores. Pode-se esperar que isso desenvolva também suas competências profissionais, mas caberá ao interessado inscrever esses aportes em uma perspectiva pedagógica e didática.
Uma competência é um saber-mobilizar. Não se trata de uma técnica ou de mais um saber, mas de uma capacidade de mobilizar um conjunto de recursos - conhecimentos, know-how, esquemas de avaliação e de ação, ferramentas, atitudes - a fim de enfrentar com eficácia situações complexas e inéditas. Não basta, portanto, enriquecer a gama de recursos do professor para que as competências se vejam automaticamente aumentadas, pois seu desenvolvimento passa pela integração e pela aplicação sinérgica desses recursos nas situações, e isso deve ser aprendido. Conhecer um processador de texto, alguns softwares didáticos e um pouco de informática é uma condição necessária para integrar o computador a uma prática em sala de aula, mas se a formação contínua não trabalhar visando a essa integração, que é o objetivo-obstáculo maior, o recurso continuará virtual e, se não for mobilizado, vai se tornar inútil. A mesma coisa acontecerá com a avaliação formativa, a tipologia de textos ou o conselho de classe !
Não se pode dizer, portanto, que qualquer formação contínua participe direta e intensivamente da construção de competências. Muitos cursos de aperfeiçoamento se limitam a oferecer só ingredientes para essa construção, abordando apenas marginalmente as práticas, o que, aliás, se pode compreender : é relativamente fácil trazer alguma novidade - idéias, tecnologia, ferramentas -, mas é muito mais difícil integrar esses aportes a uma gestão de classe e a um sistema didático.
A menos que se deixe essa integração aos cuidados de cada um, ela passa, na formação contínua, pela análise das práticas e das situações de sala de aula, o que supõe que os professores joguem o jogo, que os formadores estejam à altura desse jogo e que as condições de trabalho (local, tempo, confiança) se prestem a isso. A formação inicial tem meios de ser " intrusiva " : o estudante pode ser observado em aula, e seu trabalho pode ser analisado com o uso do vídeo ou por um monitor de estágio (ou instrutor de campo). Além disso, ele pode ser mobilizado longamente em termos de tarefas de análise ou de escrita. Em formação contínua, os formadores " pisam em ovos ", pois deverão formar seus iguais. Eles não entram facilmente nas classes, por isso hesitam tanto em se engajar em uma análise de práticas. Os professores em formação contínua parecem dizer aos formadores : " Dêem-nos ferramentas e não se metam com o que se passa em nossas aulas ", dando a entender que isso é problema só deles.
Para dizer as coisas de forma esquemática : o desenvolvimento de competências, se ele advém, produz-se quase sempre para além da formação contínua, no foro íntimo dos professores, e, eventualmente, no de uma equipe pedagógica. Orientar a formação contínua para as competências, portanto, é ampliar o campo de trabalho e dar às práticas reais mais espaço que aos modelos prescritivos e aos instrumentos. Uma parte da oferta de formação contínua, seguramente, já se configura nesse sentido, mas essa ainda não parece ser a concepção comum, nem a regra do jogo ou, se preferirem, o contrato didático básico, em formação contínua.
A realização da formação na própria escola é um grande passo nesse sentido, não somente porque ela constitui um coletivo de formação, mas também porque a formação acontece no local de trabalho do professor, ficando menos facilmente separada das práticas. Isso, todavia, é apenas uma vantagem virtual : pode-se imaginar formações realizadas em escolas, mas que se passam numa sala fechada, em horários fixos, com o formador tendo também pouco acesso às aulas, como se estivesse recebendo os professores num centro afastado
Formação e política educacional
O segundo desafio é dizer quais as competências que a formação contínua deve desenvolver prioritariamente. Em Genebra, três orientações constituem essas balizas :
O conjunto dessas orientações foi negociado entre a associação profissional de professores e a direção do ensino primário, e com a universidade no que diz respeito à formação inicial, no seio da Comissão de Formação e em outras instâncias (grupo-tarefa sobre a formação inicial, grupo de coordenação da renovação e comissões diversas). Tudo isso ocorreu no âmbito de uma política de conjunto para as escolas de Genebra. É importante insistir nisso, pois o modo de elaboração dessas dispositivos de formação ou de inovação é tão importante quanto seu conteúdo. Na verdade, eles foram elaborados em comum, as inevitáveis divergências foram postas na mesa e trabalhadas e, assim, chegou-se a dispositivos aos quais o conjunto dos parceiros implicados aderiu, estabilizados em contratos, na definição dos encargos dos professores e em outros textos de referência.
A abordagem por competências aqui apresentada é apenas uma parte dos trabalhos da Comissão de Formação , que prossegue atualmente sua reflexão, de um lado sobre as estruturas e os serviços nos quais se apóiam as ofertas de formação contínua e, de outro, sobre as relações entre competências e controle da qualidade do ensino.
Apesar de esta reflexão não estar concluída, parece possível enumerar as orientações temáticas que se esboçam. Trata-se globalmente de uma luta contra o fracasso escolar e as desigualdades, com ênfase na renovação didática e no sentido do trabalho escolar, luta esta que também, indissociavelmente, objetiva o desenvolvimento da cooperação profissional no âmbito dos projetos de escola e dos contratos entre escolas e direção. Tudo isso, assim, explica a tônica colocada em dez grandes áreas de competências :
Fala-se de áreas de competências porque cada uma delas abrange várias competências complementares. A cada entrada dessa lista foram, portanto, associados alguns exemplos de competências-chave. Esse referencial de duas entradas (ver o quadro anexo no final) tornou-se, no início do ano letivo de 1996-97, uma referência comum, que figura no documento intitulado " Formação contínua. Programa de cursos 1996-97 " (Genebra, Ensino Primário, Serviço de Aperfeiçoamento, 1996).
Além disso, os serviços e os formadores foram convidados a inserir suas sugestões no sentido de incluir no referencial em questão uma ou várias competências. Todas as ofertas de formação que puderam levá-lo em consideração estão situadas geograficamente em relação às dez grandes famílias definidas. Por exemplo : o curso 101 " Geografia : espaço vivido e representação " (de um dia) está situado como se segue :
O disco colorido em negro indica a família de competências trabalhada com prioridade (4. Envolver os alunos em sua aprendizagem e seu trabalho). O disco colorido em cinza escuro indica uma prioridade média (1. Organizar e animar situações de aprendizagem), e os discos coloridos em cinza claro, uma prioridade menor (2. Gerir a progressão da aprendizagem, 3. Conceber e fazer evoluir dispositivos de diferenciação e 9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.). Os discos não-coloridos correspondem às famílias de competências não-envolvidas. Cada curso define, desta forma, seu perfil de competências.
Um quadro global de dupla entrada põe em relação as temáticas dos cursos (em linhas) e as famílias de competências (em colunas), podendo-se entrar pelas linhas ou pelas colunas na busca de uma formação contínua.
Uma parte das ofertas de formação foi codificada de certo modo sem ter podido ser concebida ou desenvolvida a partir do referencial, já que ele só foi estabelecido definitivamente no final do ano letivo 1995-96. Seria precipitado, também, dizer que o referencial foi lido, compreendido e aceito da mesma forma por todos. Para uns, ele recorta categorias familiares, enquanto que outros se sentem mais à vontade dentro de uma lógica de conteúdos, as competências caindo " no vazio ". No campo da didática, as ofertas são em geral mais dirigidas para disciplina e tipos de atividades a serem propostas aos alunos que para as competências dos professores. Pode-se, então, estimar que, como todo referencial, o instrumento pode :
A bola está no campo dos formadores, dos serviços, da coordenação, tanto quanto no dos professores : essas áras de competências pedem para ser habitadas, elas são ainda apenas quadros vazios, nos quais o que importa é que os atores invistam representações mais precisas, ao preço de um trabalho e de debates.
Evidentemente, cada palavra e cada idéia podem suscitar uma controvérsia obstinada sobre a pedagogia, as teorias de aprendizagem, as finalidades da escola ou da profissão subjacentes. Esse debate é mais importante que um consenso sobre detalhes, que seria mais preocupante. Através da discussão sobre os conteúdos, se perfila uma forma nova de se pensar a formação, mais fecunda, em suma, que o sentido exato que se dá a cada formulação. Uma idéia como " conceber e fazer evoluir dispositivos de diferenciação " só pode conduzir a uma interrogação aberta sobre as pedagogias diferenciadas. A abordagem por competências é um desafio mais importante que o referencial, que é apenas uma linguagem comum, destinada a por um pouco de ordem na complexidade.
Do lado dos professores
Se o referencial é, num primeiro momento, um modo de estruturar as ofertas, a médio prazo a formação contínua será fortemente influenciada por seus utilizadores. Se os professores não se apropriarem do referencial para pensar suas próprias competências e suas necessidades de formação, ele acabará tornando-se letra morta. Defrontamo-nos aqui com um primeiro risco : a noção de competência deriva do senso comum, mas essa familiaridade é, ao mesmo tempo, uma vantagem e uma desvantagem. Uma vantagem porque ninguém pode negar que sejam necessárias competências para ensinar de forma eficaz, e uma desvantagem porque, quando se penetra numa porta já aberta, parece supérfluo comentar explicitamente " o que todo mundo sabe e sabe fazer ". Como muitas inovações, essa concepção refinada de formação contínua deve navegar entre vários perigos :
Essas reações são perfeitamente compreensíveis, considerando o nível de abstração de todo referencial. Admitamos que se proponha a alguns médicos, como formação contínua, uma área de competências enunciada como " realizar e verificar um diagnóstico ". Seria fácil para eles ironizar essa formulação e dizer : " E eu que acreditava que isso fizesse parte da formação inicial básica ! " ou " Grande novidade, os médicos terem de realizar um diagnóstico ! " No entanto, lembrem-se : quando se está realmente doente e os sintomas não são imediatamente reconhecíveis, somos tomados pela angústia : e se o médico não conseguir compreender o que eu tenho para me tratar a tempo ? Realizar um diagnóstico é uma competência básica da profissão médica, logo, todos os médicos devem possuí-la. No entanto, ela nunca termina e deve ser renovada constantemente, em função dos avanços das pesquisas, da tecnologia e também das patologias.
Todos os professores são chamados a " oganizar e animar situações de aprendizagem ". Se não tiverem nenhuma competência nessa área, pode-se perguntar por que escolheram essa profissão e como obtiveram o direito de ensinar. No entanto, quem poderia se vangloriar de ter adquirido um total domínio desse área de competência ? E, sobretudo, quem poderia ignorar que a própria concepção do ensino, das situações de aprendizagem e do papel do professor evoluiu profundamente nos últimos vinte anos, com o impulso da pesquisa em didática das disciplinas e da experiência das escolas ativas, da escola nova, do movimento Freinet, das pedagogias de projeto, etc. ? Hoje, parece claro que ensinar não consiste mais em dar boas lições, mas em fazer aprender, colocando os alunos em situação que os mobilizem e os estimulem em sua zona de desenvolvimento proximal, permitindo-lhes dar um sentido ao trabalho e ao saber. Quem poderia pretender, hoje, dominar conceitualmente e, mais ainda, praticamente, a arte de organizar e animar situações de aprendizagem ? Competência elementar em seu nível mais baixo e estrela inacessível em seu nível mais aprimorado, essa competência é o canteiro de uma obra longe ainda de estar concluída.
Para se dar conta disso, o importante seria não julgar o referencial como tal, mas entrar nele e confrontar as representações de uns e de outros, fazer o balanço dos ganhos que ele representa, identificar os problemas que ele coloca e as próximas etapas que ele anuncia. Isso representa um trabalho formador em si mesmo. É preciso, portanto, desejar que o debate se inicie, que esse referencial seja progressivamente " habitado " e, portanto, desenvolvido, nuançado, e até notavelmente reformulado com o passar do tempo. Esse trabalho pode ocorrer em diversos âmbitos. É importante que ele aconteça nos próprios cursos e atividades de formação, e que se considere a identificação das competências visadas como parte integrante da formação, sem limitar o uso do referencial à descrição dos cursos. Assim, no exemplo dado acima, seria formador explicitar em quê o conteúdo e os procedimentos propostos têm a ver com as competências mencionadas.
Do lado dos inspetores
O referencial em questão se impõe aos formadores e propõe aos professores uma chave de leitura das ofertas de formação. Em que isso diz respeito aos inspetores ?
Eles podem ser e, evidentemente, estão, convidados a se servir do referencial como de uma linguagem que, progressivamente, vai se tornar comum no diálogo com os professores e as equipes. O grupo que acompanha as escolas que desenvolvem projetos de inovação no âmbito da renovação do ensino primário em Genebra (Grupo de Pesquisa e de Inovação, GRI), pode evidentemente fazer o mesmo.
Os inspetores podem, sem dúvida, incentivar os professores a fazer seu próprio balanço de competências e a escolher sua formação contínua nessa perspectiva.
Pode-se ir ainda mais longe ? Aqui, entra-se numa zona de alto risco, que é a do controle, portanto, a da função da inspeção hoje. Entre uma impossível obrigatoriedade de resultados - fazer todos os alunos terem sucesso, quaisquer que sejam as condições - e uma estéril obrigatoriedade de meios - utilizar todas as fichas da pasta de matemática -, os sistemas educativos estão à procura de um " controle inteligente " das práticas de ensino.
Controle inteligente quer dizer o quê ? Trata-se de um terreno minado, porque nos leva logo ao debate sobre a avaliação dos professores e sobre o salário por mérito. Tentarei num próximo artigo construir uma problemática mais ampla, abordando três questões complementares :
1. Em que se deve basear um controle inteligente ? Explorarei a esse respeito a hipótese de uma obrigatoriedade de competências.
2. Ele é incumbência de quem ? De cada profissional comprometido numa auto-avaliação ? Da inspeção ? Dos colegas ? De supervisores sem status hierárquico ?
3. De que meios de controle se dispõe numa administração pública ?
Pode-se desconfiar que o problema é por demais complexo para ser resolvido no papel. Mas, talvez, a abordagem por competências dê uma chance de se conciliar a lógica da profissionalização, que insiste na responsabilidade e na autonomia, e a lógica do serviço público.
Se é verdade que todos os sistemas educativos estão à procura de um " controle inteligente " das práticas de ensino, antes de se perguntar " de quem isso é incumbência ? " talvez seja necessário deter-se numa questão prévia : a avaliação e o controle devem ser feitos em relação a quê ?
Ninguém trabalha "por conta própria" numa organização escolar. Todos, portanto, têm contas a prestar : todos são remunerados por um trabalho, que compreende obrigações. Quando se paga a um encanador para consertar um encanamento, a obrigação dele é fazê-lo corretamente, com um custo e um prazo razoáveis, fixados às vezes em um orçamento. Se o profissional não conseguir cumprir a tarefa, deverá demonstrar que a instalação não tem conserto ou que aquele serviço ultrapassa o alcance da técnica que utiliza. Em princípio, um professor está ligado, em troca de seu salário, a uma obrigação análoga : educar e instruir os alunos que lhe foram confiados, em conformidade com os programas e com as tarefas que lhe cabem. Entretanto, parece difícil avaliar a educação e a instrução de seres humanos da mesma forma com que se avalia o rendimento de uma ação material, nem que fosse apenas pelo fato de que os alunos, as classes e as escolas são diferentes e que não se poderia impor uma obrigatoriedade de resultados que desprezasse isso.
Meirieu (1989) concluiu daí que é preciso renunciar a uma " obrigatoriedade de resultados ", definidos em termos de aprendizagens calibradas, isto é, as mesmas para todos. Ele não propõe, contudo, que se subtraiam dos professores todas as obrigações. Propõe que se substitua a obrigatoriedade de resultados por uma " obrigatoriedade de meios ". Vou continuar aqui nesse mesmo sentido, tentando, todavia, vencer a ambigüidade da expressão " obrigatoriedade de meios ". Pode-se, de fato, entendê-la de duas formas diametralmente opostas, que vou distingüir utilizando duas novas expressões : " obrigatoriedade de procedimento " (ou de método) e " obrigatoriedade de competência ".
Chamarei de :
Vou tentar neste artigo :
Uma impossível obrigatoriedade de resultados
Há áreas do trabalho humano nas quais é possível e legítimo exigir resultados. Para isso é preciso reunir ao menos quatro condições :
Essas condições não estão reunidas no ensino. Vejamos por quê.
Uma ação não técnica
Nenhuma ação humana é inteiramente técnica, e cada agente de uma organização conserva uma margem de interpretação dos objetivos que lhe são atribuídos. De uma profissão a outra, entretanto, a extensão dessa margem difere. A ação educativa nunca se inscreve completamente no interior de finalidades perfeitamente claras e determinadas de fora. Logo, ela não é redutível à questão da escolha dos meios mais eficazes para atingir objetivos unívocos. O ensino, com outras áreas, portanto, é sempre, e ao mesmo tempo, definição dos fins e busca dos meios.
Primeiro, porque os objetivos da educação escolar são muito numerosos e ambiciosos para que se possa perseguí-los todos. É possível, no papel, não renunciar a nada e sobrecarregar os programas acrescentando aqui e ali uma frase, cuja transposição didática vai exigir muitas horas de trabalho com os alunos. Não se pode, dentro do espaço e do tempo reais de uma aula, querer atingir os mesmos objetivos com todos os alunos. Cada professor é portanto levado, quer queira quer não, a fazer o que os autores do programa não souberam ou não quiseram fazer. Conscientemente ou não, ele adota certas prioridades, considerando os alunos que tem diante de si, as expectativas e atitudes dos pais, suas convicções e competências pessoais ou, ainda, as concepções pedagógicas que prevalecem entre seus colegas.
Mesmo se os objetivos da educação escolar fossem todos realizáveis no tempo e no espaço, eles se prestariam a interpretações. Os objetivos cognitivos aparentemente os mais límpidos, tais como dominar a subtração ou usar corretamente o futuro do pretérito, abrem a porta, de fato, para diversas interpretações. Não se ensinam esses saberes e estes tipos de saber-fazer da mesma forma, conforme se queira atingir um desempenho superficial ou uma verdadeira compreensão, uma integração desses conhecimentos a estruturas mais complexas - operações matemáticas ou atos da linguagem - ou um tratamento isolado deles, conforme, enfim, eles sejam considerados como componentes de competências mais amplas - resolução de problemas ou capacidade de comunicação - ou sejam considerados em si-mesmos. A essas dimensões cognitivas, função de uma teoria mais ou menos construtivista da aprendizagem ou da ação, se acrescentam todas as diferenças ligadas à cultura e aos valores pessoais do professor. Como alguém que adora viajar e vive percorrendo o planeta poderia ensinar a mesma geografia que alguém que todo ano passa suas férias no mesmo chalé ? Como alguém que gosta de escrever e facilmente compõe textos em todas as áreas de sua vida pessoal e profissional poderia ensinar redação da mesma forma que um professor que não tem prática nem gosto pela escrita. ?
Em suma, não se pode atribuir a cada professor as mesmas intenções educativas, nem, mesmo quando estas se assemelham, a mesma energia e a mesma determinação para realizá-las. Essas variações de objetivos são ao mesmo tempo inevitáveis e desejáveis, quando seres humanos trabalham com outros seres humanos
Uma ação que depende do outro
Todos os profissionais enfrentam resistências. Se tudo fosse fácil não haveria necessidade de se recorrer a pessoas qualificadas. Mas, há resistências e resistências As que opõem a natureza e a matéria à ação humana têm como conseqüências, em geral, a ultrapassagem de prazos e de recursos financeiros, sem que se comprometa, no entanto, o próprio empreendimento. Em outras palavras, chega-se ao fim da tarefa, trata-se de uma questão de paciência e de tempo. Com as resistências humanas não se pode agir de forma tão simples, a não ser que se pratique a violência. E mesmo assim, as ditaduras que recorrem à repressão e à tortura só vencem as resistências provisoriamente, e a um preço muito alto !
Uma ação educativa que respeite as pessoas e que vise a desenvolver sua autonomia se recusa a utilizar a violência física. Mesmo quando a escola tinha menos escrúpulos e não hesitava em utilizar a palmatória (" pequeno pedaço de madeira ou de couro com o qual se batia na mão dos alunos em falta ") ou o chicote, e se permitia outros atentados à integridade corporal dos alunos, com esses recursos os professores só conseguiam controlar o comportamento ou, no melhor dos casos, levar os alunos a uma aprendizagem muito superficial.
Subsiste hoje uma " violência simbólica " (Bourdieu e Passeron, 1970), ou seja, uma pressão moral (" é para o seu bem ! ", Miller, 1968), uma chantagem afetiva, e até ameaças de sanções, que fazem com que a instrução não resulte de uma livre escolha, especialmente quando ela é legalmente obrigatória ou imposta pela autoridade paterna. Todavia, já há várias gerações, a legitimidade dos meios de pressão simbólica vem se enfraquecendo, e a capacidade de resistência dos alunos aumentando. Trata-se de um paradoxo, pois nenhuma sociedade aderiu tão fortemente, com todas as suas classes sociais, ao princípio da salvação pela instrução. Mas, justamente, isso dá direitos e gera esperanças que, quando frustrados, provocam reações amargas ou agressivas. Pelo menos nos países democráticos e desenvolvidos, nunca os professores foram tão confrontados com resistências individuais ou coletivas de crianças e adolescentes como hoje, ao mesmo tempo em que a escola passou gradualmente a se privar dos meios de repressão outrora comuns, hoje considerados bárbaros.
A eficácia pedagógica, portanto, é função da cooperação dos alunos e de suas famílias. Certamente, a competência profissional consiste, em parte, em criar, manter e desenvolver essa cooperação, mas isso apenas desloca o centro do problema : para dar aos alunos vontade de aprender, de estudar ou simplesmente de ir à escola, é preciso agir sobre valores e atitudes, o que não é mais fácil que instruir, além de parecer menos legítimo e, por isso, encontrar outros tipos de resistência.
Não se pode, assim, julgar o professor contabilizando os resultados de sua ação sem considerar a atitude e as condutas de seus parceiros, que se comportam, às vezes, como seus " adversários " na relação educativa. A cooperação e a resistência que encontramos numa sala de aula dependem de um grande número de fatores, alguns sendo previsíveis em função do nível, da origem social ou do passado escolar dos alunos, ou do ambiente social e cultural da escola, e outros, imputáveis a uma dinâmica de grupo e a uma relação pedagógica constituídas por histórias singulares, das quais o professor é um ator, não o " deus ex machina ".
Ele deve, por isso, resistir à tentação de onipotência, lembrando-se de que a pedagogia começa pelo reconhecimento da resistência do outro como sinal de sua identidade enquanto sujeito (Cifali, 1994 ; Meirieu, 1995). Romper essa resistência através de qualquer meio seria negar o outro enquanto indivíduo, portanto, minar o próprio sentido do empreendimento educativo. Cada educador carrega em si a tentação de Frankenstein (Meirieu, 1996) e, para combatê-la, deve muitas vezes optar por ser menos eficaz e mais respeitador das pessoas e de seu ofício. Esse dilema ético bastaria, por si só, para condenar o princípio da obrigatoriedade de resultados.
Uma ação incerta
Para exigir resultados, seria preciso demonstrar que, posto diante do mesmo problema, qualquer profissional qualificado encontraria uma solução eficaz, sem para tanto dar provas de genialidade, nem mesmo de grande criatividade, simplesmente mobilizando o estado da arte de sua área e conhecimentos profissionais e teóricos reconhecidos. Para uma parte das situações profissionais com que se deparam, o médico ou o engenheiro se encontram no caso descrito : ninguém lhes pede que inventem conhecimentos novos, criem métodos, mas que apliquem um capital coletivo. Tudo se passa, então, como se esse capital garantisse uma ação eficaz, e a única responsabilidade do profissional fosse conhecê-lo e investi-lo com discernimento.
Em educação, as situações desse gênero não são abundantes. Tem-se, ao contrário, uma profusão de situações diante das quais a maior parte dos profissionais estaria bem desarmado e hesitante. Resumindo, o fracasso da ação educativa remete muitas vezes a uma incompetência coletiva mais que a uma incompetência individual. Os conhecimentos profissionais e os saberes teóricos não estão tão avançados e estabilizados para que se possa esperar de um profissional que ele seja eficaz pelo simples fato de ele ser bem formado e informado. A pedagogia está, sob vários pontos de vista, na situação em que se encontravam a medicina ou a engenharia há dois ou três séculos : algumas proezas tecnológicas ou terapêuticas hoje correntes, antes tinham a ver com a ficção científica, pois os conhecimentos da época não davam nenhum indício sobre um grande número de fenômenos.
Em relação a uma parte de seu trabalho, o professor se encontra na situação de um médico ao qual se pedisse para curar uma doença infecciosa cujos mecanismos básicos ainda fossem desconhecidos e até mesmo insuspeitados ; ou na de um engenheiro de quem se esperasse uma realização que ultrapassasse as teorias e as tecnologias conhecidas em sua época.
Como, em suma, poderíamos exigir resultados de nível definido, quando nenhum outro profissional, por mais qualificado que seja, poderia garanti-los ?
Uma ação singular
À idéia de avaliar os resultados obtidos pelos professores em termos das aquisições de seus alunos, opõe-se facilmente um argumento clássico : seria impossível comparar as classes em razão da diversidade dos contextos, do número e do nível dos alunos ao entrar na escola e em uma determinada classe, da composição social e étnica do público, do número e da natureza dos casos particulares.
Essa singularidade, às vezes, é um álibi. Parece-me que nesse ponto defrontamo-nos com várias dificuldades distintas :
Comparações Herméticas : as técnicas estatísticas ligadas à " análise da variância " permitem controlar um conjunto de outros determinantes do êxito na escola e, portanto, isolar " o efeito-mestre ". É, simplesmente, pouco provável que comparações fundadas em métodos tão sofisticados, dos quais o comum dos mortais nem alcança as bases matemáticas, possam ser utilizadas fora do contexto da pesquisa. Poder-se-ia, entretanto, imaginar métodos mais intuitivos, fundados, por exemplo, numa ponderação de diversos fatores. A menor das cadeias comerciais sabe que não pode esperar de cada uma de suas filiais o mesmo faturamento, que vai variar em função do bairro, da concorrência, do tempo de implantação da loja e de seu sucesso maior ou menor, de seu ambiente e outras variáveis sobre as quais o gerente não tem poder algum. Isso não impede uma avaliação, em função de comparações razoáveis. Os professores não poderão pretender indefinidamente que sua situação não seja comparável a nenhuma outra : todas as classes não são comparáveis, mas podem ser formados sub-conjuntos mais homogêneos no interior dos quais as comparações fazem certo sentido.
Fatores não-analisados : além dos parâmetros mais triviais e mais controláveis, a eficácia da ação educativa depende de fatores mais sutis, menos mensuráveis, às vezes ainda não conceitualizados. Alguns dentre eles, também, em vez de estarem dados no início, constróem-se na interação pedagógica e didática, no decorrer do tempo escolar. Entre um professor e seus alunos, a cada ano, ata-se uma história humana original, que é bem difícil transformar em " variáveis " observáveis.
Comparações sem fundamento : seria injusto tornar o professor responsável por certas características que, tanto quanto suas competências, influenciam sua ação educativa : o fato de ele pertencer a uma etnia, a uma classe social, a um sexo, a uma faixa etária, a uma comunidade confessional, ou ainda, sua história, sua cultura, seu físico, seu odor, seu modo de falar e de se mexer, seu gosto em termos de vestimentas Tudo isso exerce uma influência sobre a comunicação e a relação pedagógicas. Esses elementos não estão ligados à competência profissional, mas à identidade pessoal e cultural, à maneira de estar inserido no mundo. Além disso, essas características não têm efeito unívoco, dependendo da interação com as características correspondentes, as expectativas e as normas dos alunos e das famílias. A mesma professora e o mesmo professor poderão provocar atrações ou rejeições individuais ou coletivas conforme quem se encontrar frente a eles. Mas, sobretudo, esse julgamento deverá evoluir de acordo com a história comum. Um defeito de pronúncia ou um excesso de peso pode ser enternecedor ou irritante, conforme os desafios e estratégias de uns e outros.
A recusa da caixa-preta
Concluindo : a obrigatoriedade de resultados não tem sentido senão na perspectiva extremamente simplificadora segundo a qual uma classe seria uma caixa-preta onde se identificariam os " inputs " e os " outputs " : controlaríamos todos os inputs que não estivessem ligados à qualificação e à consciência profissionais do professor, e restaria uma relação pura entre esses últimos fatores e os resultados dos alunos. Se as teorias e os métodos permitirem um dia esse tipo de decomposição, isso leverá ainda muitas décadas e a posição dos problemas terá mudado. No momento, na melhor das hipóteses, isso ainda é uma problemática de pesquisa.
Uma estéril obrigatoriedade de procedimento
Que é que separa um ofício de executor de uma profissão qualificada ? No primeiro, a parte de trabalho prescrita é preponderante, o que leva a exigir-se do assalariado, antes de tudo, a conformidade aos procedimentos decididos pelos engenheiros ou outros responsáveis pela organização do trabalho. Se, respeitando-se os procedimentos ao pé da letra, chegar-se a maus resultados, a responsabilidade cabe aos que definiram os procedimentos. O assalariado poderá dizer : " não tenho culpa, apenas apliquei a regra ".
Quanto mais avançamos em direção a profissões qualificadas, mais a organização limita o trabalho prescrito e, bem ou mal, delega aos assalariados o cuidado de criar ou adaptar procedimentos a fim de enfrentar a complexidade das situações.
Priorizando, no ensino, a obrigatoriedade de procedimentos, freia-se o processo de profissionalização. Isso seria justificado se ficasse assim garantida uma verdadeira eficácia do ensino. Mas tal não acontece. Uma estrita obrigatoriedade de procedimentos é, ao mesmo tempo, um obstáculo à profissionalização e uma negação da complexidade. Faz parte, além disso, de uma visão ultrapassada de ensino-aprendizagem. Vejamos porque.
Um obstáculo à profissionalização
A profissionalização de um ofício, qualquer que seja ele, define-se precisamente pela autonomia que permite ao verdadeiro profissional escolher seus métodos e meios de ação, assumindo plenamente a responsabilidade por suas decisões. Quanto mais o sistema educativo restringe a autonomia dos professores quanto à escolha de métodos e meios de ensino e avaliação, mais ele limita suas responsabilidades, acentuando o que se pode chamar de uma proletarização ou uma desprofissionalização de seu trabalho, em suma, aumentando uma dependência com respeito às regras concebidas pela hierarquia ou pelos especialistas (Perrenoud, 1994 a, 1996 e).
A obrigatoriedade de procedimentos nega ao professor a capacidade de escolher ou de escolher ele mesmo suas estratégias e seus métodos. Ela deixa no ar, sem a expressar claramente, uma suspeita de incompetência ou, pelo menos, de falta de discernimento na escolha autônoma de um método. Essa falta de confiança deveria se enfraquecer conforme o crescimento progressivo do nível de formação dos professores. Paradoxalmente, ela parece se agravar, em razão, notadamente, da emergência de didáticas específicas defendidas pelos especialistas, aos olhos dos quais uma parte dos professores, se abandonados a si próprios, acabarão fazendo " qualquer coisa ".
A resistência à profissionalização pode se enraizar também, por parte das autoridades, no medo da diversificação das práticas ou da autonomia das escolas, inelutável quando os envolvidos na prática cooperam a fim de implantar novos dispositivos. A obrigatoriedade de procedimentos pode, portanto, ao mesmo tempo, manter a autoridade dos responsáveis e aumentar a influência dos especialistas
Uma negação da complexidade
A profissionalização não é, a meus olhos, um fim em si, mas uma resposta à complexidade das situações e das relações educativas e às expectativas crescentes das sociedades em relação ao sistema educativo. Por razões múltiplas (mudança das relações com a escola e com os conhecimentos, misturas culturais, transformação da família, crise de valores, rápida obsolescência dos conhecimentos, concorrência das hipermídias, crise econômica, desorganização urbana, ruptura do contrato social, etc.), não é mais possível ensinar de forma estereotipada. Uma fração crescente das situações de ensino-aprendizagem, ao contrário, ao menos se se quiser lutar contra o fracasso e permitir que a maioria progrida, exige estratégias originais e sob medida, partindo da análise do que foi adquirido, das necessidades, dos recursos e das forças hic et nunc.
Enfrentar a complexidade é estar envolvido na prática com reflexão (St-Arnaud, 1992 ; Schön, 1994, 1996), dispondo de conhecimentos múltiplos, de instrumentos metodológicos, de uma capacidade de cooperação com os colegas e, principalmente, de um saber-analisar bem experiente que possa guiar observações, interpretações e regulações. O estrito respeito aos procedimentos prescritos é, em muitas das situações complexas, uma garantia de ineficiência. Isso não significa que nenhum procedimento deva ser pensado e proposto aos que executam ; ninguém tem tempo nem forças para inventar novidades todos os dias. Em última instância, entretanto, cabe aos profissionais avaliar a pertinência dos procedimentos disponíveis em cada contexto e, eventualmente, adaptá-los à situação, descartar um ponto ou outro, ou até criar algo novo a partir deles. Para agir de forma eficaz, deve-se ao mesmo tempo poder alimentar-se dos métodos, regras e procedimentos pré-estabelecidos, quando forem pertinentes, e libertar-se deles quando a situação exigir.
Uma visão ultrapassada de ensino-aprendizagem
A obrigatoriedade de procedimentos é um freio ao surgimento de novas representações do ensino e da aprendizagem. Há mais de um século, os militantes da escola nova e dos métodos ativos afirmam que é fazendo que se aprende. Construtivistas e interacionistas antes do tempo, hoje eles são confirmados em seus pontos de vista através de múltiplos trabalhos das ciências da educação. Assiste-se a uma total inversão de perspectivas. Ensinar consiste, agora, em fazer aprender, ou, em outras palavras, em construir e animar situações de aprendizagem (Astolfi, 1992 ; Develay, 1992). Coloca-se a criança " no centro do sistema educativo ", o que significa que, longe de integrá-la a um fluxo de coisas pensado externamente a ela, procura-se diferenciar o ensino em função das possibilidades e das formas de aprender de cada uma.
Um professor, supondo-se que ele conheça sua disciplina e que seus alunos estejam " atentos ", pode construir e dar uma aula seguindo procedimentos. Em contrapartida, ele só pode desenvolver seqüências e situações de aprendizagem a partir da resolução de problemas e da construção de projetos, criando situações-problemas (Meirieu, 1989), e envolvendo os alunos em seu aprendizado. Para isso, ele pode se inspirar em precedentes e em modelos, pode se apropriar de procedimentos elaborados por outros e parcialmente codificados a fim de tornarem-se comunicáveis, mas não pode esperar chegar a resultados seguindo constantemente uma mesma metodologia já pronta.
A preocupação com a diferenciação do ensino vai no mesmo sentido. Diferenciar-se é organizar as interações e as atividades de forma a que cada aluno seja tão freqüentemente quanto possível confrontado com as mais fecundas situações didáticas para ele (Perrenoud, 1995). Vê-se bem, então, que o professor não pode prender-se a trilho algum, devendo, sim, perguntar-se sem cessar o que se passa e o que ele pode propor de pertinente a cada um, em situações de identificação e de resolução de problemas.
Em direção à obrigatoriedade de competências?
Que diferença há entre uma obrigatoriedade de procedimentos e uma obrigatoriedade de competências ? A resposta já aparece implícita na análise acima. Para dizer as coisas de outra forma, vamos nos deter um instante na noção de erro profissional. Uma obrigatoriedade se define, com efeito, pela natureza das faltas que ela torna possíveis.
Do desvio da regra ao erro de julgamento
O que é um erro profissional ? É uma decisão infeliz, em outras palavras portadora de graves conseqüências. Não é um acidente, uma fatalidade, mas a resultante de um erro humano. Todavia, esse erro pode tomar formas muito diferentes conforme o grau de prescrição do trabalho.
Nos ofícios de execução, sujeitos a uma obrigatoriedade de procedimentos, o erro consiste em ignorar ou transgredir os procedimentos. Ele é cometido por aquele que, por falta de seriedade, de concentração, de atenção ou por excesso de confiança, acreditou poder deixar de respeitar as normas e os métodos prescritos : regras de segurança, código de deontologia, disposição essencial das tarefas e procedimentos ditados pela organização do trabalho.
Nenhuma profissão autônoma e responsável está totalmente isenta de procedimentos. As obrigatoriedades de procedimentos se colocam, então, previamente às situações. Elas permitem que o profissional, por exemplo, não se defronte com uma situação difícil sem estar em boas condições físicas ou mentais, sem dispor de suas ferramentas ou de seus assistentes habituais, ou sem saber tudo o que deveria estar sabendo. É assim que um cirurgião estará cometendo uma falta se operar sem ser capaz de resistir ao estresse, ou um anestesista, se não conhecer os antecedentes de seu paciente, ou um piloto se decolar sem co-piloto, etc. Esses erros básicos são os mais fáceis de serem identificados. Os outros, aqueles que não versam sobre as condições da decisão, mas sobre sua legitimidade, são muito mais difíceis de serem definidos e estabelecidos, porque a qualificação consiste justamente em agir na ausência da norma explícita, que bastaria ser seguida para que fossemos irrepreensíveis. O que se espera de um profissional, e é para isso que ele é formado e pago, é que ele encontre uma estratégia de ação eficaz, principalmente quando não existe nenhum procedimento pré-definido à altura da situação. O erro profissional pode então ser definido como uma reação indefensável, na situação de trabalho considerada, por parte de um especialista consciencioso e qualificado. Uma decisão infeliz traduz, assim, uma falta de capacidade em analisar a situação e em escolher a resposta apropriada.
Trata-se aqui, ainda, de uma questão de dosagem. Nenhuma profissão prescinde de algum nível de julgamento e, portanto, de um risco de erro. Isso pode acontecer ao motorista que subestima a envergadura de uma curva, à esteticista que queima gravemente sua cliente, à enfermeira que não detecta o agravamento súbito do estado de um paciente, ao programador que deixa um erro grosseiro em seu programa, ao técnico de laboratório que sabota uma cultura biológica por má compreensão da experiência em curso, etc. Entretanto, quanto mais caminhamos em direção a profissões mais qualificadas, mais aumenta a parcela de gestos profissionais ligados ao julgamento na situação. As situações são muito diversas, móveis e complexas para que seja possível ditar regras ou propor procedimentos. É por isso que se delega a um profissional competente o poder e a responsabilidade de saber, melhor que ninguém, o que convém fazer, já que ele tem todos os elementos na mão, em tempo real. Seu eventual erro não será então da ordem de uma infração a uma regra, já que não há regra, apenas princípios gerais e uma expectativa global em relação a ele : que ele dê provas de discernimento, de " sangue-frio " e de espírito de iniciativa e de decisão.
Para além do erros profissionais
Os erros de julgamento dividem o campo da competência e da obrigatoriedade de competência. Essa abordagem parecerá " pouco positiva ". Mas é só um elemento que facilitará a análise. O erro é humano e a obrigatoriedade de competências não é uma obrigatoriedade de infalibilidade. Entretanto, em 9 entre 10, em 99 entre 100 ou em 999 entre 1000 casos, conforme os desafios e as profissões, ela impõe que se reaja adequada e imediatamente, ao vivo, em meio a uma relativa solidão, quase sempre na urgência e na incerteza (Perrenoud, 1996 e).
Convenhamos que, provavelmente, a obrigatoriedade de competência é tão fundamental quando difícil de ser verificada. Será preciso que ocorra um erro profissional grave para que se avaliem as competências, ao preço de pesados processos administrativos ou penais que pouco servem à formação ? Pode-se, evidentemente, desejar que se chegue a avaliar as competências de forma mais banal e menos dramática, na formação inicial e durante a carreira profissional. Na falta disso, seremos tentados a pensar numa impossível obrigatoriedade de resultados ou a voltar a uma estéril obrigatoriedade de procedimentos. Como agir ? E, primeiramente, quem deve agir ? Esse será o assunto de um próximo artigo.
Tendo definido a obrigatoriedade de competências, resta passar de uma idéia geral à sua aplicação : uma obrigatoriedade que ninguém pode controlar não é uma obrigatoriedade. Se as competências não são avaliáveis, ou elas o são somente após um erro profissional grave que desencadeie um inquérito, então a instituição escolar está condenada seja a não avaliar regularmente o trabalho de seus professores, seja a escolher entre a peste e o cólera, em outras palavras, entre uma impraticável obrigatoriedade de resultados e uma obrigatoriedade de procedimentos que é um obstáculo à profissionalização do ensino.
A avaliação das competências encontra dificuldades conceituais e técnicas. No entanto, não são esses os obstáculos principais. Eles só serão estudados seriamente e superados quando soubermos a quem cabe avaliar as competências dos professores. Ora, os sistemas educativos não dão nenhuma resposta muito clara a essa questão espinhosa Atualmente, eles oscilam entre a esperança um pouco mágica de ver o problema se resolver por si mesmo e a hesitação dos atores em se engajar num papel visto como difícil, ingrato e de altos riscos.
O sonho de se ver livre do problema
Duas esperanças vãs assombram o debate sobre a avaliação dos professores :
Sem ser absurdas, essas idéias mostram um otimismo muito grande quanto ao funcionamento das organizações e dos seres humanos. Vejamos por que, mesmo que para isso seja preciso alterar algumas imagens de Epinal.
Os limites da certificação inicial
Os sistemas educativos empregam, tanto quanto possível, professores que tenham uma formação inicial certificada. Podem, assim, esperar que eles tenham as competências exigidas, pelo simples fato de terem vencido um duplo obstáculo : 1. obter um diploma ; 2. conseguir um emprego. Em certos sistemas, entretanto, essas duas barreiras são uma só, pois o diploma garante o emprego. Mesmo quando existe um verdadeiro mercado de trabalho, as competências não constituem necessariamente o critério dominante de seleção.
Em todos os casos, cada sistema gostaria que o certificado de formação inicial fosse garantia de competência. Essa esperança, parcialmente fundada, choca-se entretanto com dois mecanismos bastante gerais :
Passar entre as malhas da rede
Nenhum procedimento de avaliação certificativa é infalível. A maioria das instituições de formação inicial em geral combina, a fim de decidir sobre uma certificação, provas clássicas de conhecimentos, visitas curtas de um supervisor ou de um formador a uma aula e um relatório do " mestre de estágio ". Seria audacioso demais pretender que se tenha assim satisfeito as condições técnicas de uma avaliação rigorosa e equitativa das competências. Todavia, o principal obstáculo para uma certificação " pura e dura " não é de ordem técnica. Ele liga-se a uma realidade simples : o poder de avaliar é difícil de ser assumido na sociedade atual, porque ele obriga o avaliador a dizer, a alguns avaliados, coisas difíceis de ouvir. Enquanto que a relação pedagógica construída na escola com crianças e adolescentes autoriza os professores a fazerem julgamentos muito duros, às vezes sem sutileza alguma, a avaliação se torna vergonhosa em certas partes do universo adulto, notadamente na função pública. Isso começa desde a formação inicial, que já se encontra muitas vezes imbricada no mundo do trabalho, seja porque se trata de uma formação já no emprego, seja porque os estágios provocam uma imersão parcial nos estabelecimentos.
Na entrada ou no começo de um curso de formação inicial, uma eventual eliminação é baseada em critérios acadêmicos clássicos ou em atitudes. Como, contudo, se podem avaliar competências quando o estudante está apenas começando a adquiri-las ou elaborá-las ? Parece urgente esperar. Todavia, dois anos mais tarde, quando o estudante já avançou em seu currículo, a avaliação tampouco parece mais fácil, porque agora ela está ligada ao destino de alguém que investiu uma parte de sua vida numa formação profissional, forjou para si uma identidade de futuro professor, integrou-se a escolas, ocupou um lugar em detrimento de outros candidatos, mobilizou recursos que teriam sido desperdiçados se a formação não chegasse a seu termo. Para interromper essa trajetória, é preciso, além de boas razões, uma verdadeira coragem. Os formadores a encontram quando há uma contra-indicação maior : o sistema de certificação, em fim de percurso, barra o caminho aos estudantes manifestamente incapazes de ensinar. É preciso ainda que eles não sejam muito numerosos, pois uma proporção muito alta colocaria em cheque o próprio sistema de formação. Aos estudantes que não forem radicalmente incompetentes, dá-se facilmente o benefício da dúvida, permite-se que fiquem estudando mais um ou dois semestres, fingindo acreditar que isso vai melhorar seu nível, ao cabo do que recebem seu certificado, confiando na experiência e na formação contínua para preencher suas lacunas
O papel dos " mestres de estágio " (chamados às vezes de formadores de campo) e dos outros formadores implicados na certificação final é muito incômodo, ficando eles presos a um verdadeiro dilema. A fim de impedir, ou mesmo de retardar o acesso de alguém à profissão com que sonha, talvez desde a infância, é preciso que se tenha também um outro cuidado tão grande quanto os outros : não deixar entrar na profissão alguém manifestamente incompetente, que faria estragos. Mas se é relativamente fácil ser categórico nos aspectos pessoais ou relacionais que representam riscos, pode-se mais facilmente minimizar as incompetências pedagógicas e didáticas " compensadas " por um amor indefectível às crianças e um desejo tocante de ensinar. Se participamos da memória coletiva de um sistema educativo, sabemos que, ao sabor das necessidades e flutuações demográficas, já fomos capazes de transigir, confiando classes a pessoas formadas fraca ou rapidamente. Porque, então, fazer alguém infeliz, aplicando impiedosamente uma norma que, em outras épocas, já pareceu tão elástica ?
Apesar dos escrúpulos honoráveis de uns e outros, o resultado é que, deixamos passar pessoas previamente, com o pretexto, justamente, de que estão em formação, esperando que aparecerá alguém para detê-las no dia em que sua incompetência estiver inteiramente estabelecida ; e, posteriormente, o resultado é que dizemos que não teríamos deixado avançar tanto em seu percurso estudantes que tivessem nível tão insuficiente. De qualquer forma, em vista de seu investimento, pensa-se que não é mais hora de eliminá-los. Os formadores, muitas vezes, são pegos na armadilha das idéias que professam : em nome de uma pedagogia do êxito, deixam chegar à certificação pessoas que não a praticarão jamais ! A solução elegante consistiria em praticar uma avaliação formativa e em construir realmente as competências que faltam. Infelizmente, os currículos de formação raramente permitem soluções tão flexíveis e diferenciadas.
Seria tentador investirmo-nos de uma virtuosa indignação e afirmar que uma formação " digna desse nome " certifica apenas os absolutamente competentes. Porém, é justamente alimentando ficções como essas que se naufraga. Lembremo-nos que não é mais fácil exercer o poder de avaliação durante a carreira profissional do que durante a formação inicial, e que os mesmos dilemas, às vezes ainda mais graves, espreitam os que querem avaliar as competências dos profissionais em exercício !
Em início de carreira, os procedimentos de avaliação mais sérios são, em definitivo, infelizmente, os mais duros para os interessados : engajamento num estatuto precário e estabilização se e somente se as competências forem devidamente atestadas após um ou vários anos de prática.
A vida continua
Se supusermos que, no final da formação inicial, a avaliação certificativa seja rigorosa e coloque no mercado de trabalho apenas os competentes, ainda assim o problema estaria resolvido somente pela metade, pois durante o ciclo de vida profissional as competências não permanecem estáveis. Tanto podem se desenvolver, quanto regredir ; podem se ampliar ou se encolher (Huberman, 1989 b). Dois processos contraditórios estão em ação :
Se a escola, seus programas, seu funcionamento e seu público não mudassem, veríamos essas duas tendências se confrontarem e fazerem a balança pender para um dos dois lados, em função da energia, da relação com a profissão e da propensão a se fazer uma pergunta essencial : " vou morrer em pé, diante do quadro-negro, com um pedaço de giz na mão ? " (Huberman, 1989 a). A evolução da escola embaralha as cartas e obriga cada um a recomeçar muitas vezes, porque os alunos, as famílias, a cultura e a sociedade estão sempre mudando.
Imaginemos um professor cuja formação inicial tenha terminado em 1976. Ele atravessou vinte anos da vida deste século e já passou dos quarenta anos. E ainda tem diante de si muitos anos de trabalho. Como dar crédito a sua certificação tão longínqua ? Tantas coisas aconteceram desde então, tanto no sistema quanto em sua vida pessoal e profissional, que não podemos aprisioná-lo para sempre em uma imagem de suas competências estabelecidas vinte anos atrás. A evolução pode caminhar em dois sentidos : professores julgados muito competentes no início da carreira podem sucumbir numa prática minimalista, frontal, pouco inventiva e ineficaz, enquanto que iniciantes que sobreviviam na profissão com esforço, de tanto insistirem em superar suas dificuldades acabam se tornando especialistas. Há muitos exemplos de professores que, por diversos acidentes da história, foram contratados até mesmo sem uma verdadeira formação inicial e acabaram figurando entre os mais competentes de sua geração.
A certificação do início da carreira, portanto, não é inteiramente confiável, mas isso não tem conseqüências necessariamente graves, visto que o que foi adquirido inicialmente será apenas um dos determinantes das competências, principalmente dez ou vinte anos mais tarde. Existe uma tendência a superestimar a importância da formação inicial. Em um sistema educativo e em uma sociedade em transformação, ela é somente o ponto de partida de uma longa história, ao sabor da qual muitos outros fatores vão influenciar as representações da profissão, a identidade do professor, seus conhecimentos profissionais e suas competências.
Os limites da auto-avaliação e da co-avaliação
Entre as competências esperadas de um verdadeiro profissional, há certamente a capacidade de se auto-avaliar e de se reciclar nos setores onde sente que suas competências são menos sólidas, e a de avaliar seus colegas e lhes transmitir uma mensagem construtiva, incitando-os a se aperfeiçoar ou, simplesmente, a refletir sobre sua prática. Sem colocar em dúvida a utilidade desses modos de controle, pode-se contudo duvidar de sua generalização.
Uma improvável auto-regulação
No melhor dos mundos, a competência profissional seria a garantia de si mesma, e não haveria necessidade alguma de se introduzir uma avaliação das competências. Infelizmente, não vivemos no melhor dos mundos. Provavelmente, para uma parte dos profissionais, um sistema externo de avaliação de competências poderia parecer supérfluo, na medida em que esses profissionais detêm em si mesmos uma grande capacidade de auto-avaliação, de auto-regulação e autoformação. Não se trata, contudo, de regra geral. Não vamos afirmar rapidamente demais que um professor " digno desse nome " se avalie, se forme e, portanto, não tenha necessidade alguma de que se implante um sistema de avaliação externo. Um pouco de realismo psicossociológico não faria mal : desde a infância, todos nós aprendemos que devemos parecer mais competentes do que somos, para sermos amados, felicitados e recompensados, ou simplesmente para termos paz e uma certa liberdade. A escola reforça esse currículo oculto, e o mundo profissional também não nos ensina outra coisa. Todos ficariam muito felizes em se considerar competentes. O dilema não é esse, portanto. Como diz Philippe Meirieu, todos gostariam de saber, mas nem todos estão prontos para aprender. Construir conhecimentos leva tempo e custa energia, obriga a uma confrontação consigo mesmo e exige uma perseverança e uma disciplina das quais nem sempre somos capazes ; desenvolver nossas competências permite um eventual benefício a longo prazo, mas nos priva seguramente, de imediato, de nosso tempo livre e de atividades agradáveis. Pesquisar para enriquecer nosso vocabulário de alemão ou assistir à televisão ? Fazer os exercícios de matemática ou sair com os amigos ? Quem, criança ou adolescente, nunca hesitou, e escolheu, às vezes, a facilidade ? Será que os adultos são tão diferentes ?
Vários mecanismos endógenos podem equilibrar nosso gosto pela preguiça, por exemplo :
Felizmente, esses propulsores não são raros e levam uma parte dos professores a conservar e a desenvolver suas competências. Mesmo então, os efeitos podem ser muito seletivos e não garantir o nível de competência esperado pela instituição. A consciência moral, o orgulho ou o entusiasmo em aprender nem sempre caminham junto com a lucidez. Um professor pode passar dias inteiros a se aperfeiçoar em geografia ou em gramática, porque isso o interessa ou porque ele considera que deva ser irrepreensível, sem ver que suas falhas são de ordem didática ou relacional. A vontade de aprender não basta, se não for guiada por uma percepção precisa do que se sabe fazer e do que se deveria saber fazer.
Por outro lado, para uma parte dos professionais, esses propulsores nunca funcionam, ou logo entram em pane : chega um momento da vida em que o sentido do dever se enfraquece, em que o prazer da descoberta diminui e a energia vital também. Seria precipitado atirar a primeira pedra : certamente há muitos cínicos, falsos e escroques, como em todas as profissões ; mas há também profissionais cuja vida particular é difícil, que têm problemas de saúde ou de dinheiro, cuja família não vai bem, ou que, por outras razões, perderam o gosto de viver ou de aprender, fecharam-se em si mesmos, ou não têm mais uma identidade profissional bastante forte para que invistam no seu trabalho.
Conhecemos nossa infinita capacidade de iludirmos a nós mesmos, de nos dar razão, de não vermos as falhas que um observador um pouco mais experimentado percebe no primeiro olhar. Não há, portanto, auto-regulação automática. Somos bastante hábeis para " arranjar " a realidade de forma a que ela seja aceitável. Em todas as profissões, então, há profissionais competentes e conscientes de sê-lo, outros que se subestimam ou se super-avaliam, e outros, ainda, que conhecem seus limites mas, nem por isso, têm a força, o orgulho e a coragem para se mobilizar.
Uma avaliação mútua prudente
Podemos contar com os outros para reforçar nossas capacidades de auto-avaliação ? Somente até certo ponto e sob certas condições.
Pode-se esperar que três processos modifiquem progressivamente a situação :
A evolução está começada, e até avançada em alguns pontos. Mas, mesmo que se possa esperar progressos nessas três direções, eles não dispensarão uma avaliação institucional de competências.
A quem cabe avaliar as competências ?
Uma avaliação institucional de competências não equivale, ipso facto, a ume " inspeção pela hierarquia ". Trata-se mais de afirmar que a auto-avaliação e a co-avaliação espontâneas, por mais bem-vindas que sejam, não bastam para regular a atualização das competências, e que é preciso, portanto, que "a instituição interfira".
A instituição é, tradicionalmente, assimilada ao " poder organizador " da escola. Todavia, quanto mais se avança em direção à profissionalização do ensino, mais a responsabilidade pela avaliação das competências pode vir a ser o efeito de uma sinergia entre a administração escolar e representantes da profissão. O que importa, em todo caso, é dissociar o princípio de uma avaliação institucional de competências de suas modalidades. A atribuição de tarefas e poderes de avaliação a atores determinados é uma escolha crucial, que deve ser pesada cuidadosamente.
Antes de mais nada, coloquemos um postulado : a avaliação institucional só deveria intervir para suprir as limitações da auto-avaliação e da avaliação mútua. Se processos espontâneos de regulação estiverem em ação, a instituição e a corporação deverão se limitar a apoiá-los. O papel de uma avaliação externa só se torna insubstituível quando esses processos estão ausentes ou são hesitantes demais.
Quem, então, deve intervir ? Três modelos conhecidos concorrem entre si :
Cada um desses modelos tem pontos fortes e pontos fracos.
A avaliação por um corpo de inspeção
Esse modelo, o mais clássico, tem os defeitos de suas qualidades. Pelo menos, ele está estabelecido por escrito, sem ambigüidades ; os inspetores e inspetoras têm um status de autoridade, que lhes dá o direito de entrar nas classes, de observar, de avaliar, de dizer o que pensam e de dar diretrizes incitando firmemente o professor a refinar ou a modernizar suas práticas, se necessário freqüentando cursos. A clareza desse papel tem uma conseqüência paradoxal : ao ser observados e avaliados, os professores não se sentem nem um pouco obrigados à transparência, procurando então, muito normalmente, causar boa impressão. Nos sistemas que atribuem conceitos ou notas ao professor, o desafio que a inspeção representa para ele é o de conseguir ser " bom o bastante " a fim de não obter um conceito ou uma nota negativa. Nos outros sistemas, o desafio é o de não chamar atenção. Tem-se aqui o jogo clássico do gato e do rato, que de forma alguma é um jogo de cooperação. Se o inspetor dispuser de muito tempo e de muita perseverança, ele poderá ir além das aparências, pois é difícil enganar por mais de algumas horas. Em vários sistemas escolares, suas outras tarefas e a quantidade de professores pelos quais são responsáveis obrigam os inspetores a fazerem apenas visitas-relâmpago, muito espaçadas, durante as quais conseguem detectar (ou confirmar) apenas as disfunções maiores. Mesmo quando chegam a perceber coisas mais sutis, falta-lhes tempo para verificá-las e para compartilhar sua análise com os interessados.
Vários fatores mais recentes tornam essa forma de avaliação ainda menos eficaz :
Essas constatações poderiam ter mil nuances. Há, certamente, inspetores respeitáveis, seguros de si e de sua concepção da profissão e bastante corajosos para ousar avaliar as competências dos professores, dizer quando há algum problema e assumir o papel ingrato e delicado de quem critica fortemente e envia o professor para um curso de formação. Se isso funcionasse em larga escala, o problema da obrigatoriedade de competências e de seu controle estaria resolvido.
Pode-se fazer a mesma análise em relação aos diretores, quando seu mandato lhes confere funções de inspeção ou de avaliação dos profissionais dos quais estão encarregados. Diretor de um liceu francês, encarregado de avaliar seus professores, Michel Mazeran dá seu testemunho :
Há momentos na vida de um diretor em que mesmo o indivíduo mais imbuído da importância de sua missão pode ser vencido pela dúvida : é o período da avaliação do seu pessoal. Cada um de nós se desdobra, então, em descobrir em si tesouros de habilidade, afim de confeccionar as fórmulas mais vazias de sentido, ainda que seja verdade que um sentido codificado - acessível apenas aos iniciados nessa linguagem esotérica, junto à qual a dureza é de uma limpidez inconfundível - se esconde, às vezes, nas dobras de frases aparentemente formais.Assim, é comum entender que " satisfatório " significa que aquele de quem se está falando é de nível apenas médio, mas melhor, assim mesmo, do que aquele " medianamente satisfatório ", porque sob esse rótulo, anódino em aparência, esconde-se a denúncia da incúria a mais total. De minha parte, avisei aos professores de meu estabelecimento que não costumo escrever o que não penso, o que não significa, eles entenderam muito bem, que aquilo que penso será sempre escrito. A cada ano brincamos daquilo que Celimena expôs tão bem no Misantropo, ou seja, como " a mal-arrumada e de pouca atração investida ", torna-se, aos olhos apaixonados, uma " beleza negligenciada ". O incapaz, aquele a quem não se confiaria o filho por nada no mundo, torna-se, pela graça da musa da prosa administrativa, um " professor consciencioso ". O terrorista, cuja pedagogia está mais ligada à manutenção da ordem que à abertura para a cultura, vira " preocupado com o desenvolvimento de seus alunos ", enquanto que os numerosos professores aos quais se gostaria de agradecer, com elogios sinceros, pelo trabalho notável que cumprem, receberão apenas duas linhas que mais parecem com um necrológio no jornal local que expressão de gratidão. (Mazeran, 1995, p.2).
Mazeran afirma : " a cerimônia em desuso da inspeção deve ceder lugar a um diálogo frutífero, consecutivo a uma visita, que clareie o que falta entre as competências já adquiridas e as outras " (ibid, p.3). Mas, se a cerimônia existe, não seria para conjurar a dificuldade de uma avaliação formativa inscrita numa relação de autoridade ?
A avaliação por um corpo de conselheiros pedagógicos
Como intervir junto a um professor que não solicitou nada ? Esse é o dilema do conselheiro pedagógico sem autoridade hierárquica, exatamente como acontece no Québec ou no cantão de Vaud. Mesmo que a instituição lhe dê o direito e o mandato de visitar as classes, ele hesitará em se utilizar dessa prerrogativa, se não se sentir bem-vindo. Pode-se compreender então porque um conselheiro pedagógico é levado, durante anos, a trabalhar prioritariamente com os que o solicitam e o envolvem em seus projetos de inovação, e cada vez menos com os que têm apenas um desejo : serem esquecidos.
Aqui, mais uma vez, um conselheiro pedagógico particularmente consciencioso e temerário pode se aventurar a entrar nas classes insistindo um pouco. Se ele for muito competente e se o professor não estiver totalmente na defensiva, isso pode ampliar o círculo de professores que entrem num diálogo com ele. Pode-se duvidar que essa função permita atingir individualmente e colocar em movimento os professores que tenham mais necessidade. É por isso que ela se orienta muito freqüentemente para tarefas - também muito úteis - de desenvolvimento e de animação pedagógicos, em nível do estabelecimento ou do sistema educativo, abandonando o terreno das visitas a classes e do diálogo singular com um professor a respeito de suas práticas. Tudo se passa como se os sistemas educativos, quando definem as tarefas que os professores devem cumprir, dessem provas de um voluntarismo irrealista e subestimassem a extrema dificuldade de se fazer uso de todas as prerrogativas de um papel profissional, qualquer que ele seja. As transações entre atores, das quais depende sua coexistência pacífica, exigem, de fato, informalmente, que nenhum deles queira levar sistematicamente suas vantagens tão longe quanto autorizam os textos.
A avaliação por colegas experientes e autorizados
Nesse tipo de avaliação, geralmente, é a um colega de outra escola que se vai abrir a própria classe. Este não vem por sua própria decisão, mas em função de um mandato para o qual ele se inscreveu voluntariamente. Esse mandato é atribuído pela instituição, mas só se tem a ganhar quando ele é decidido em acordo com as associações profissionais.
Há então exterioridade do avaliador, ao mesmo tempo que igualdade de estatuto hierárquico. Isso torna a relação mais confiante ? Tudo depende dos obstáculos. Se a avaliação for puramente formativa, pode-se imaginar que uma parte dos professores aceitem a visita de um colega e seus comentários " críticos mas construtivos ", com a condição de que isso fique entre eles. Se a avaliação desembocar em conclusões destinadas a serem comunicadas a outros níveis da organização escolar e principalmente em injunções, é pouco provável que o estatatuto de colega baste para tornar aceitável o que já não seria bem-vindo de um inspetor ou de um conselheiro pedagógico.
As dificuldades são, pois, em parte, as mesmas. Essa, entretanto, é uma das vias menos exploradas e que merece então ser vislumbrada mesmo que não se deva esperar dela efeitos miraculosos. Se um avaliador suscitar hostilidade, isso pode estar ligado a seu estatuto. Desse ponto de vista, um colega é menos ameaçador que um superior hierárquico ou um especialista que não esteja em sala de aula. Isso não deve mascarar o essencial : ninguém gosta de ser observado e avaliado se sentir que isso pode se tornar uma desvantagem, seja em setores muito concretos (conceitos, notas, estabilidade, promoções, renda), seja num registro mais simbólico. Um ator tem dificuldade a não tratar como adversário, até como inimigo, aquele que tem o poder de avaliá-lo e, se ele não corresponder às exigências, complicar sua vida e lhe inflingir uma violação ao seu narcisismo. O crédito que um colega considerado benevolente teria a priori pode dar lugar a uma conduta defensiva, a partir do momento em que ele passar a desempenhar um papel de avaliador. Pode-se até, no momento em que as coisas acabarem mal, lamentar que se tenha de trabalhar com alguém que " não conhece grande coisa da área ". Um professor severamente julgado por sua hierarquia, a fim de manter intacta sua auto-estima, muitas vezes passa a negar qualquer competência àquele que o julgou. E é difícil se defender contra o julgamento de um colega que goza da estima da corporação.
Chegamos a um impasse ?
Estamos diante de uma missão impossível ? É possível - a lucidez ordena que se encare essa possibilidade - que não haja nenhuma resposta realmente satisfatória ao problema do controle das competências, no atual estado das mentalidades e das relações de força, ao menos no âmbito da função pública. Encontramo-nos, de fato, numa situação de transição, onde o corpo docente reivindica uma autonomia que na verdade não assume, na qual a autoridade não é mais legítima o suficiente para encarnar a norma e mergulhar freqüentemente numa prova de força, onde a profissionalização está avançada o bastante para " deslegitimar " qualquer forma de controle externo, mas não o bastante para que os profissionais façam eles mesmos o seu controle.
Esse pessimismo quanto à procura de uma solução convincente não impede que se trabalhe para um progresso. Cada uma das fórmulas que passamos em revista, a despeito de seus limites, cumpre uma parte da tarefa. Poderíamos pretender melhorá-las e completá-las. Antes de procurar um sistema único, melhor seria fazer coexistir várias modalidades e várias redes de avaliação externa.
Poderíamos também tentar colocar o problema em outros termos. Até aqui, o controle das competências foi colocado implicitamente no âmbito de um encontro - às vezes um duelo - entre o avaliador e o avaliado, como um desafio institucional, uma forma de certificação das competências em relação a terceiros. E se, em lugar disso, concebêssemos um diálogo formativo ? Ele poderia se estabelecer ao mesmo tempo :
Isso suporia uma evolução dos modos de gestão do sistema educativo, já iniciada, mais ainda muito frágil, e o aparecimento de funções e contratos novos. Será essa uma via promissora do ponto de vista da obrigatoriedade de competências e de seu controle ? Ou não passa de um modo novo de " complicar deliberadamente o assunto " ? Para sabê-lo, é preciso que se avance um pouco mais na descrição dos dispositivos alternativos. Isso será tema de um próximo artigo.
Defendi, a partir da experiência realizada no ensino primário de Genebra, uma formação contínua explicitamente orientada para o desenvolvimento de competências profissionais identificadas (capítulo I). Teria sido possível ficar nisso, isto é, no melhor dos mundos : desde que as competências estivessem definidas ; sugestões de cursos de formação seriam feitas a partir delas, e cada um " faria o que tem que fazer ", sem que a instituição tivesse que se preocupar com o controle e com a avaliação das competências.
Essa perspectiva positiva encontra, contudo, dois obstáculos :
1. A própria idéia de que é preciso avaliar competências ainda não foi assimilada. Hutmacher (1996) mostra que apenas um quarto dos professores está consciente de que tem de prestar contas à instituição e à sociedade. Os outros se sentem responsáveis perante os pais (25%), perante as crianças ou alunos (30%), os colegas (3%!) ou perante si próprios (17%). Quando decide encarar o problema, a escola oscila entre uma impossível obrigatoriedade de resultados e uma estéril obrigatoriedade de procedimentos. Propus sair desse dilema caminhando para uma verdadeira obrigatoriedade de competências (capítulo II). Para isso, deve-se romper :
Honrar uma obrigatoriedade de competências é " fazer tudo o que é humana e profissionalmente possível ", sem estar condenado a ter êxito, mas também sem poder se proteger atrás da desculpa burocrática : " observei o regulamento fielmente, não podem me criticar em nada ". Uma falha de competência não é da mesma ordem que uma infração à regra. É uma resposta decepcionante a uma expectativa legítima em relação ao profissional, segundo a qual ele deve mostrar discernimento, julgamento, espírito de iniciativa e de decisão, eficácia na identificação e na resolução de problemas e respeito a um código de ética (o fim não justifica qualquer meio).
2. Mesmo quando se opta pela obrigatoriedade de competências, esse é um princípio mais fácil de ser anunciado de forma abstrata que de ser aplicado. As dificuldades intrínsecas de uma avaliação de competências (Demers, 1995 ; Mazeran, 1995 ; Pion, 1995 ; Tardif, 1996) se conjugam inextricavelmente com o fato de que os professores não fazem questão de ser avaliados, e de que nenhum dos atores do sistema é tão " suicida " a ponto de medir forças nesse assunto, nem localmente, nem na escala da organização escolar. A auto-avaliação e a co-avaliação, por mais desejáveis que sejam, não são praticadas espontaneamente por todos. Portanto, há necessidade de uma avaliação institucional ; ora, essa avaliação institucional está ainda à procura de atores (capítulo III) : os inspetores não têm nenhuma vontade de inspecionar e sonham em se tornar administradores ou animadores ; os conselheiros pedagógicos preferem a animação global e o acompanhamento de equipes ao diálogo tenso com os professores. Já as práticas de avaliação por colegas são promissoras e merecem ser desenvolvidas, mas chocam-se também com a resistência passiva ou ativa daqueles que têm tudo a perder com um controle regular de competências.
A mudança como desafio do controle de competências
Estamos diante de um impasse ? Não excluo uma conclusão pessimista : nem toda prática é avaliável corretamente hic et nunc ; ela o é, sem dúvida, em termos absolutos : sempre é possível pensar em estabelecer critérios, realizar observações, interpretá-las e concluir verificando a presença ou a ausência de certas competências profissionais. Todavia, nem tudo o que se pode pensar se pode praticar quando isso envolve pessoas, membros de uma corporação, no âmbito de um contrato e de relações de trabalho.
Uma interação cooperativa
A avaliação de competências supõe a cooperação ativa dos interessados e não pode ser feita em cima de atitudes de defesa. Pode-se, eventualmente, medir o que foi adquirido pelos alunos mesmo contra a vontade dos professores, através de exames, provas comuns ou ainda notas e trabalhos entregues à autoridade escolar. A conformidade dos professores aos procedimentos prescritos supõe uma observação em sua classe, mas a rigor esta observação pode ser feita no âmbito de procedimentos administrativos, consultando-se o diário de classe, os cadernos, os boletins, inventariando-se os meios de ensino disponíveis, verificando-se os horários e as faltas, avaliando-se o avanço do programa, informando-se sobre a quantidade de deveres de casa, examinando-se algumas lições. Através disso, um inspetor experiente pode apreciar a conformidade de um professor às regras em vigor.
Para avaliar as competências não basta observar por um momento apenas, é preciso instalar-se mais longamente em uma classe e, principalmente, falar com o professor de forma não defensiva. Sua competência não pode ser estabelecida unicamente em função do que ele faz ou da maneira como ele faz. É preciso compreender por que o professor faz o que faz, como ele raciocina, de que dados ele dispõe, o que ele tenta compreender ou realizar. Pelo fato de, durante uma manhã inteira, ele não perguntar nada a um aluno com dificuldades, não se pode concluir que ele não se interesse pelo aluno em questão. Por que não pensar que talvez se trate de uma indiferença fingida, parte de uma estratégia ? Se o professor também não reprime os falatórios intempestivos dos alunos, isto acontece porque ele está ficando relaxado ou porque quer construir uma relação pedagógica que não seja constantemente quebrada por pequenas intervenções repressivas ? O fato de ele nem sempre controlar tudo pode ser falta de seriedade ou mostra de confiança ? O sentido da ação pedagógica não se mostra de forma simples e unívoca, pois cada acontecimento faz parte de uma história que o observador ignora, e os gestos profissionais se inscrevem às vezes numa estratégia de longo prazo, ou freqüentemente, dentro de uma intenção e de uma tática de prazo mais curto, que não são em nenhum dos casos decodificadas a partir apenas de observações, mesmo agudas, de um visitante de um dia. Por trás de toda prática, há concepções de aprendizagem, teorias didáticas, valores, uma interpretação de programas e de finalidades da escola, uma visão da relação pedagógica, uma idéia dos motivos e dos modos de funcionamento dos alunos, em suma, raciocínios e escolhas que orientam e explicam a ação. Para ter acesso a essas chaves, é preciso entabular uma conversa que inspire confiança, a fim de que o professor se exponha. Se ele temer que suas falas sejam recebidas segundo o princípio " tudo o que disser poderá ser utilizado contra você ", não se pode esperar que ele ajude quem quer que seja a compreender algo de sua prática e a julgar suas competências.
Alguns casos são tão límpidos que poderíamos concluir que o professor é incompetente após apenas uma hora de aula, ou recolhendo alguns depoimentos. Provavelmente, isso acontece quando há total amadorismo ou uma falta profissional maior, quase sempre num contexto mais carregado : absenteísmo crônico, alcoolismo, toxicomania, pedofilia, violência. Nesses casos, é muito bom que se possa intervir mesmo sem a cooperação do professor incriminado. Mas esses casos são marginais e estão mais ligados à medicina do trabalho ou aos costumes que à própria pedagogia. O controle das competências seria bem pobre se operasse apenas em casos tão desviantes, percebidos a olho nu.
Exigências discutíveis e discutidas
O desafio da avaliação de competências não é somente o de detectar os professores que transgridem regras elementares e portanto merecem sanções. Não se trata de uma questão de competência, mas de respeito aos encargos docentes, às obrigações impostas pela legislação e pelo pertencimento a uma organização. O desafio maior é estabelecer um diálogo com professores honestos, sérios e até conscienciosos, mas que praticam uma pedagogia rígida, muito pouco diferenciada, inutilmente autoritária, mal dominada, logo, pouco eficaz, pouco propícia ao desenvolvimento e à aprendizagem. Esses professores não são " foras-da-lei ", simplesmente estão aquém do nível de competência esperado.
Quem decide os critérios em função dos quais se julga que um professor deixou de estar " à altura " ? Alguns professores subestimam as exigências do sistema ou as desconhecem, às vezes porque são muito vagas, porque estão mudando ou porque são fortemente controvertidas. Outros as compreendem bastante bem, mas não aderem a elas porque rejeitam as políticas educacionais, os programas e as orientações didáticas que as fundamentam. A complexidade do ofício e as ambigüidades das organizações escolares permitem apresentar qualquer problema de competência como rejeição respeitável às exigências julgadas excessivas ou ilegítimas. Mesmo quando uma falta de competência provém de fontes completamente diferentes, é mais fácil justificá-la apresentando-a como uma resistência à moda, às políticas em vigor e às reformas " aberrantes ".
Isso complica singularmente a questão. Em algumas profissões, a incompetência não é tão facilmente disfarçada sob a aparência do bom senso pedagógico, da fidelidade às " tradições já consagradas ", do desdém à moda ou da rejeição às " pseudo-invenções pretenciosas dos especialistas ou dos pesquisadores ". É possível também se defender negando a existência ou a amplitude dos problemas que exigem competências novas ; pode-se, por exemplo, minimizar a importância do fracasso escolar, dos movimentos migratórios, da violência, ou isentar a escola de responsabilidade. É assim que se pode recusar qualquer legitimidade às competências requeridas em matéria de diferenciação ou de instauração de um contrato social de não-violência na escola, definindo-se o papel do professor como aquele que ensina alunos motivados, corretamente socializados e aptos a seguir o programa, jogando-se toda a responsabilidade sobre a família e sobre os colegas se essas condições não estiverem reunidas.
A fala de competência é sempre difícil e dolorosa de se reconhecer e qualquer pessoa que tenha dificuldades, em qualquer profissão, procurará, num primeiro momento, encontrar desculpas e legitimar sua incompetência invocando o direito à diferença ou à livre experimentação. Algumas profissões, todavia, parecem mais propícias que outras para isso. Não se imagina um médico justificar um erro profissional em nome de uma concepção pessoal da saúde. Certamente, existe uma margem de apreciação pessoal em relação a tratamentos ou operações de alto risco, por exemplo, mas que não é comparável à latitude que se considera na pedagogia. Isso está ligado, sem dúvida, ao mesmo tempo ao desenvolvimento limitado das ciências da educação e à relação mantida por muitos professores com os conhecimentos provindos da pesquisa ou da experiência de outros. Isso não acontece tão facilmente em setores cuja profissionalização já esteja mais avançada, nos quais os profissionais não se sentiriam livres para dizer a respeito de qualquer questão "esta é a minha opinião e eu a divido com vocês". Mas esta é a situação na qual nos encontramos hoje.
Uma avaliação negociada
Que concluir disso ? Que a avaliação das competências profissionais dos professores não pode seguir facilmente os modelos propostos para profissões nas quais predomina a racionalidade técnica ou científica, como por exemplo, os pilotos de avião. A qualquer momento de sua carreira eles são avaliados por um especialista que é também um colega. Eles não se sentem muito confortáveis com esta avaliação, principalmente porque os desafios são maiores, com o risco de perder ou não obter a autorização para voar em determinados aparelhos ou em determinadas linhas. No entanto, isso funciona e parece " normal ", porque está integrado ao contrato de trabalho e porque os critérios parecem legítimos para a maioria, mesmo quando são desfavoráveis. De fato, nada é mais fácil que aderir a normas de qualidade diante das quais se é bem sucedido. A legitimidade dos critérios é medida quando há conflito entre a vontade de sermos julgados favoravelmente e uma exigência que nos coloca em dificuldade.
Não estou deduzindo, daí, que a avaliação das competências seja impossível, mas sim que ela deve necessariamente :
Este último ponto é essencial : se a avaliação não permitir a mudança, ela suscita conflito ou regressão.
Pode-se, a propósito das competências das pessoas, adotar-se a tese segundo a qual " a eficácia dos estabelecimentos não pode ser medida : ela é construída, negociada, praticada e vivida " (Gather Thurler, 1994).
Concretamente, que dispositivos implantar ? Eu proponho que se invista :
Incentivar a profissionalização interativa
O ideal seria que cada um avaliasse suas competências como avalia seu estado de saúde, com interesse, porque isso lhe parece fazer parte de uma regulação elementar do desvio entre seus projetos e sua ação efetiva. Qualquer pessoa que aprenda uma outra língua por necessidade profissional ou particular progride mais em alguns meses que durante anos de aulas de língua na escola. Isso é válido para qualquer aprendizado. A diferença é que, se alguém não aprender uma língua e se vir sozinho a sofrer com ela ou a se frustrar por causa dela, isso é problema seu. Numa organização que gostaria que todos os seus funcionários aprendessem línguas estrangeiras, o problema da direção seria : como fazer para motivá-los para isso, em vez de lhes impor esse aprendizado ?
Através de incentivos financeiros, responde quase sempre o mundo das empresas. Transposta ao mundo da educação, essa resposta conduz à fantasia que caracteriza algumas administrações escolares de idéias curtas : o " salário por mérito ". O desejo de eqüidade levaria inevitavelmente a se definir e a se medir o mérito de forma tão burocrática que não se pode imaginar que essa forma de avaliação possa manter alguma relação com uma verdadeira avaliação de competências em termos de eficácia pedagógica. Daí a recompensar a docilidade, a distância é muito curta. Mas não está aí o essencial : é inútil acreditar que se possa, numa profissão humanista, basear a busca de eficácia no chamariz dos ganhos. A razão é tão simples quanto fundamental : quem quer que seja movido antes de tudo por esse motivo deveria ter escolhido outra profissão. Se, assim mesmo, tornou-se professor, pode-se duvidar de sua capacidade de se engajar numa relação pedagógica e didática fecunda, que supõe uma forma de generosidade e de rejeição às barganhas.
Numa profissão humanista, o que leva as pessoas a se superar nem sempre é desprovido de interesse. Pode-se ter uma profunda satisfação narcisista em educar e instruir, em se sentir útil e necessário. O propulsor mais seguro do desenvolvimento das competências de um professor é o crescimento do sentido, da identidade, do domínio e do prazer profissionais que ele espera dele. Tudo isso pode se enraizar na satisfação do dever cumprido, na luta militante por uma boa causa ou em desafios mais pessoais.
Se fosse assim com todos, cada um trabalharia espontaneamente para avaliar e desenvolver suas competências, como um atleta ou um artista. Mas, já que este não é o caso, a questão é : como atingir os que não estão espontaneamente prontos a refletir sobre suas práticas e a progredir, aqueles para os quais esse não é o modo habitual de viver ? Certamente, isto não ocorrerá se os submetermos a procedimentos formais de avaliação e de classificação, mas sim se os envolvermos em diversas formas de profissionalização interativa.
Monica Gather Thurler (1996 a) a define como um dos vértices de um triângulo :
(fora do triângulo : profissionalização interativa, competências, responsabilidade, aprendizagem coletiva, engajamento, desenvolvimento individual ; dentro do triângulo : desenvolver estratégias para fazer face a problemas complexos, autonomia, capacidade deassumir riscos, liderança, ética, cultura comum, reflexão contínua sobre as práticas, construção do sentido)
Como se pode ver, esse modelo ainda é bastante abstrato e não remete a um dispositivo único, mas a um conjunto de formas de interação e de cooperação entre professores que sejam suscetíveis de favorecer a prática refletida e a profissionalização, e de estimular sinergias entre desenvolvimento pessoal e trabalho coletivo. Deve se pensar notadamente em sua implicação :
Não é necessário nem possível que cada um esteja constantemente implicado em todas essas modalidades de profissionalização interativa. Resta entretanto sair de um círculo vicioso conhecido : a mesma minoria ativa vai se envolver na maior parte das atividades mencionadas, enquanto que uma grande maioria não participará de nenhuma ou de quase nenhuma delas.
Poderíamos sem dúvida pensar em integrar aos encargos de cada um não somente a preocupação em se formar (a qual não impõe que se siga a formação contínua), mas a responsabilidade de se comprometer fortemente com pelo menos uma das modalidades, considerando que " isso faz parte do trabalho ", que se tem direito de escolher a modalidade, mas não o direito de não se engajar em nenhuma modalidade de profissionalização. Poderíamos nos inspirar nessas escolas que impõem a prática orientada e séria de um esporte ou de um instrumento musical, mas deixam toda a liberdade quanto à escolha do esporte ou do instrumento.
Aqui, ainda, entretanto, é melhor apostar no incentivo. Essa é uma das funções importantes dos superiores : ajudar os bulímicos do trabalho coletivo e da militância a se proteger do burn out e encorajar os outros a se comprometer mais intensamente. Nesse aspecto, as diferenças entre escolas ou circunscrições podem ser enormes, conforme o grau de envolvimento do responsável, que pode ir desde um sentimento de não-responsabilidade, até a situação de não perder a oportunidade de incentivar os professores a se comprometerem, a assumirem as responsabilidades e o risco de se confrontarem com desafios e com colegas. O tema do empowerment é muito atual nos trabalhos sobre inovação e profissionalização (Gather Thurler, 1996 a). Ora, para tomar o poder, é preciso, paradoxalmente, ao menos no início, ser convidado a isso dentro de um sistema que, por muito tempo, difundia o lema " cada um em seu lugar " ! Uma autoridade que teme a mudança não tem interesse algum em levar os professores a assumirem as responsabilidades e o poder. Apenas os que desejam o progresso da escola farão a análise inversa e assumirão o risco de uma autoridade negociada.
Onde fica a avaliação nisso tudo ? Em todo lugar e em lugar algum. Ela se torna um componente da cooperação, da definição de projetos, da reflexão e da análise. Um ator engajado num empreendimento ambicioso não pára de avaliar e de introduzir regulações, inclusive trabalhando para o desenvolvimento de suas próprias competências. E, tendo ou não consciência disso, ele dispensa o sistema de regulações mais pesadas e autoritárias.
Três dispositivos mais específicos
O incentivo à profissionalização interativa não basta. É preciso, portanto, completá-lo através de dispositivos mais especificamente orientados para a avaliação ou para o controle das competências. Distinguirei aqui três tipos diferentes e complementares :
Os primeiros são plurais, e podem levar em conta uma certa diversidade, nos limites dos meios e do tempo disponíveis. O controle hierárquico exige uma maior unicidade. Não é o dispositivo mais simpático, e, no melhor dos casos, a eficácia dos dois primeiros tornaria sua intervenção quase excepcional
Esses diversos tipos de dispositivos são institucionais, no sentido de que eles são organizados, se possível conjuntamente, através da corporação profissional e do poder organizador, e no sentido de que os professores não são livres para se dispensar deles. Isso significa que a participação nesses diversos dispositivos está inscrita nos encargos docentes. Isso é óbvio - ao menos teoricamente - no que diz respeito ao controle, mas deveria ser válido para os dois anteriores, que são considerados quase sempre como reservados aos voluntários. Significa que a instauração de tais dispositivos é, em si, um combate que só tem chance de ser ganho se houver uma aliança duradoura entre o poder organizador e a vanguarda da profissão, com todas as negociações pretendidas para que, uma vez instaurados, os dispositivos funcionem com o apoio dos principais envolvidos. Desenvolver a avaliação dos professores sem suas organizações ou contra elas só fará chegar a falsos resultados ou a crises.
Supervisão e avaliação formativa
Diversas modalidades de supervisão individual ou coletiva participam da profissionalização interativa. Vou isolá-las aqui a fim de ligá-las mais explicitamente a um procedimento de avaliação formativa.
Neste caso, poder-se-ia tratar de impor a participação regular a uma forma ou outra de diálogo formativo com um visitante sem poder hierárquico, mas com o devido mandato para entrevistar, observar, dizer o que vê e ouve, fazer boas perguntas, sugerir pistas. Em suma, transpor para uma relação de adulto para adulto um procedimento de observação formativa sobre as competências e as práticas, num clima de cooperação (St-Arnaud, 1992, 1995).
O visitante poderia ser um conselheiro pedagógico ou um colega professor que desempenhe esse papel, sem deixar de ter sua própria classe. Já frisei os limites desse dispositivo se quisermos partir para uma avaliação certificadora, com conseqüências para a classificação do professor, a progressão na carreira ou a obtenção de diversas vantagens estatutárias ou salariais. Creio, em compensação, que a instituição ganharia ao impor a existência e a qualidade desse diálogo, sem querer controlar seu conteúdo ou seu desenvolvimento.
No campo do trabalho social ou da educação especializada, há muito tempo que a supervisão pode ao mesmo tempo ser imposta por contrato em seu princípio e ser realizada de um modo estritamente confidencial, sem interferência alguma das relações de trabalho diárias, principalmente das relações hierárquicas. Isso não é nem um pouco contraditório, mesmo que esse modo de agir seja estranho à cultura das organizações escolares.
Isso pressupõe, evidentemente, a constituição, a formação, a animação de um corpo de visitantes. As duas grandes variantes estatutárias possuem incidências diferentes. Pode-se adiantar, por exemplo, a hipótese de que os conselheiros pedagógicos serão mais bem formados em ciências da educação, se sentirão menos identificados com os professores, mais exteriores e menos ligados por uma solidariedade de grupo. Os visitantes originários do corpo docente, e que continuam a fazer parte dele, terão uma maior familiaridade com as filigranas da profissão, compartilharão da mesma cultura profissional, criarão uma relação menos assimétrica. Pode-se pensar num terceiro caminho : contratar supervisores estranhos à organização escolar exclusivamente para essa tarefa. Essa fórmula, que funciona no registro de uma supervisão centrada na identidade e na relação, torna-se mais difícil quando se trata de competências, pois então é preciso que o supervisor seja altamente qualificado no campo da prática observada. Mas por que não pensar em mobilizar professores que não exercem mais a profissão ou outros profissionais da educação ?
Tudo dependerá, no final das contas, tanto do estatuto, quanto da trajetória pessoal dos visitantes e do espírito no qual eles realizam seu trabalho. Por que ter-se-ia que escolher ? Pode-se imaginar que uma parte dos professores ficará mais à vontade com seus iguais, outros com conselheiros pedagógicos que exerçam claramente uma outra atividade. O essencial é que o dispositivo esteja acima de qualquer suspeita e esteja obsessivamente confinado a funções formativas, portanto a uma avaliação a serviço exclusivo do avaliado. Assim, a confidencialidade não alimentará a complacência ou a cumplicidade, muito pelo contrário. Ela autoriza até uma certa tensão, porque o único risco que o professor estará correndo é o de ver se fazer de si mesmo uma imagem que não lhe agrade e de ouvir sugestões que ele poderá ignorar, mas sabendo que assim estará trabalhando contra si próprio.
Disso decorre, devemos dizer, que os inspetores e os diretores não podem em nenhum caso exercer essa supervisão, nem a esse título, nem a qualquer outro. É até mesmo desaconselhável que alguém venha a ser conselheiro pedagógico imediatamente após ter exercido uma função de autoridade, pois dificilmente adquirirá a credibilidade requerida. Os sistemas educativos que, de um dia para o outro, passam os inspetores para o papel de conselheiros pedagógicos não prestam nenhum serviço a uma função que deve se definir, exclusivamente, por uma relação de ajuda, baseada na cooperação. Isso não significa que essa relação seja constantemente harmoniosa, mas que ela nunca perde de vista seu objetivo primeiro : ser útil ao " cliente ".
Auditoria e acompanhamento de escolas
A avaliação dos professores evoca, ainda hoje, a imagem de uma relação dual, de um encontro entre um observador de passagem e um professor observado. Talvez seja tempo de romper com essa figura tradicional. No momento em que as escolas são constituídas como pessoas morais e atores coletivos, em que se pede para que tenham um projeto e prestem contas de seu desenvolvimento, como não pensar nas conexões entre a avaliação de competências e o acompanhamento dos projetos das escolas ?
O destino de um projeto de escola depende, entre outros fatores, das competências individuais e coletivas dos professores nele implicados. Conceber, negociar, conduzir um projeto de escola e prestar contas dele proporciona a cada um a oportunidade de se confrontar às práticas dos outros e de ter a medida de suas escolhas implícitas, de seus limites e da relação entre as primeiras e os segundos.
Na medida em que o corpo docente de uma escola está solidariamente comprometido num projeto, cada um se torna dependente dos outros e, portanto, passa a ter expectativas legítimas em termos de disponibilidade, de força de trabalho, de atitude, mas também de competências trazidas para a tarefa coletiva ou no âmbito de uma divisão eqüitativa do trabalho. O próprio funcionamento de um projeto constitui um primeiro nível de regulação de competências, contanto que a instituição torne a solidariedade necessária e possível, o que pressupõe provavelmente uma alteração do estatuto das escolas.
Um segundo nível de regulação aparece no diálogo entre a escola e um interlocutor externo, tanto no estágio da gênese de um projeto quanto no de sua avaliação depois de um ou vários anos. Isso pressupõe que os projetos de escola tenham um estatuto, inscrevam-se num contrato que obrigue as partes a negociar tanto recursos quanto flexibilidades, liberdades concedidas fora da aplicação da regra comum.
O problema se coloca em termos diferentes dependendo do fato de a organização escolar prever ou não um diretor. Se ele existir, é preferível que esteja envolvido no projeto ; ele não pode ser ao mesmo tempo seu interlocutor, mesmo que seja o interlocutor interno das equipes pedagógicas e do corpo docente. O interlocutor de um projeto de escola pode ser o responsável administrativo por uma zona mais ampla, mas pode-se imaginar fórmulas diferentes, por exemplo uma equipe de acompanhamento ou de auditoria.
No âmbito da renovação do ensino primário em Genebra, o interlocutor das escolas é um " grupo de pesquisa e renovação " (GRI) sem autoridade hierárquica, mas que garante um acompanhamento do contrato efetuado entre as escolas e a autoridade escolar. Esse grupo é composto essencialmente por professores que se dedicam a essa tarefa em período integral ou parcial.
Outra pista : na academia a Lille, todos as escolas foram objeto de uma auditoria, no âmbito de um procedimento experimental (Demailly, 1996). Foram constituídas equipes de quatro pessoas : dois inspetores, um diretor e um formador. Elas se organizaram, num quadro de encargos gerais, no sentido de preparar, conduzir, interpretar e devolver uma auditoria, com análise de documentos, visitas às classes, entrevistas, encontros com os grupos de atores.
Pode-se imaginar ainda outros dispositivos. No contexto da avaliação de competências, o importante é que o feed-back não trate somente do funcionamento, do realismo de um projeto ou do desvio entre o plano e sua realização, mas que se inscreva num balanço e numa análise dos recursos humanos e proponha uma política de formação que faça parte do projeto da escola.
Um controle hierárquico claramente assumido pelos superiores
Em última instância, se todo o resto não bastar para assegurar um controle suave das competências, é legítimo que a autoridade desempenhe plenamente seu papel. Para isso, é importante que os inspetores saiam da ambigüidade tão geral constatada pela OCDE :
Quando do exame desses diferentes mecanismos, convém ressaltar o papel ambígüo dos inspetores. Muitos deles se esforçam em combinar uma função de controle ao papel de conselheiro pedagógico. Inspecionar é avaliar para fins de gestão e de controle. Dar conselhos é prestar um serviço que pode não ser levado em conta. A depuração do papel dos inspetores é uma tarefa cada vez mais necessária. Sua competência técnica é um outro problema. A maioria deles sai das fileiras dos professores mais considerados. Eles não têm necessariamente uma visão global da educação, talvez nem entendam a maneira como ela se articula com os outros setores da política social nem a contribuição que as pesquisas pedagógicas podem trazer. Da mesma forma, muitas vezes, eles adotam atitudes de " amadores esclarecidos " diante da avaliação. Ora, eles devem ter um bom domínio técnico dos diferentes modos de avaliação, o que implica na definição de critérios, na elaboração de métodos adequados de trabalho no campo, na aptidão em elaborar relatórios que sejam utilizáveis pelos que são o objeto da avaliação, assim como pelos que são seus destinatários (OCDE, 1996, p.42).Os diretores de escolas, conforme as tradições nacionais, vivem na mesma ambigüidade : algumas vezes líderes e animadores pedagógicos, outras, administradores sem responsabilidades quanto aos procedimentos didáticos dos professores, eles também estão em busca de sua identidade.
A problemática da avaliação e do controle de competências é apenas um aspecto do debate. Todavia, enquanto os interessados e os sistemas educativos não optarem claramente por um papel ou outro, a avaliação, ela também, permanecerá na ambigüidade.
Não se pode resolver de forma simples um problema complexo, ligado tanto à gestão dos sistemas escolares quanto às inovações. Limito-me, aqui, a um postulado bastante simples : as organizações escolares devem, de uma maneira ou de outra, delegar o controle das práticas e das competências de seus assalariados a funcionários que desempenhem essa tarefa, por mais desconfortável que isso seja. Aos que não desejam assumir esse desconforto, que a instituição proponha outras vias, sem renunciar à tarefa e tendo a sabedoria de nomear pessoas que assumam a dimensão de avaliação que ela comporta. É desejável, mais uma vez, que tudo seja realizado para que uma relação de autoridade só intervenha em desespero de causa e para garantir da melhor forma o direito e a dignidade das pessoas. Resta, para uma fração minoritária dos professores, assumir uma verdadeira tensão, ou até mesmo um conflito aberto em torno das competências. O direito de ser incompetente num cargo não faz parte dos direitos humanos ! Esse último dispositivo, de alguma forma, é a base de todos os outros, já que ele assegura que a ausência de regulação e de formação sempre terá conseqüências.
Por isso, não se pode deixar de fazer um reexame do papel dos inspetores e dos superiores, no sentido de uma maior profissionalização, combinada a uma formação adequada e a uma identidade mais clara (Gather Thurler, 1996 b ; Perrenoud, 1994, 1996 g).
Entre statu quo e fórmula mágica
Seria muito ilusório pretender ter esgotado uma questão difícil, que nos coloca o problema da norma, do poder, da liberdade, da responsabilidade e da administração das organizações. Não estou certo de que os dispositivos sugeridos estejam à altura do desafio. E, certamente, estes não são os únicos possíveis. Não há fórmula mágica e todo dispositivo de avaliação de competências está no centro das contradições do sistema educativo, e mais globalmente, da função pública e do trabalho assalariado.
Essas dificuldades não deveriam nos dissuadir de pesquisar, por aproximações sucessivas, fórmulas viáveis e que possam ser aperfeiçoadas. Uma coisa é certa : a manutenção do statu quo não é favorável à regulação de competências profissionais, portanto, à maior profissionalização dos professores.
As dificuldades da construção e da avaliação das competências profissionais dos professores são tais que podem desencorajar mesmo os mais empenhados. Enfrentar as dificuldades relacionais, éticas e técnicas de qualquer avaliação já não é fácil, e ninguém se precipita para desempenhar esse papel ingrato numa sociedade pronta a denunciar o abuso de poder ou a tecnocracia, desde que se começou a procurar analisar de perto a eficácia do trabalho humano. A esses desafios, acrescentam-se os conflitos que circundam esta concepção, sua implantação e a regulação de qualquer dispositivo de avaliação ou de controle. Esses conflitos são ainda mais difíceis de superar de forma duradoura quando há ao mesmo tempo confusão quanto ao papel da autoridade, divergência sobre as políticas educacionais e os aspectos modernos da profissão de professor, controvérsia sobre os perfis de competência e os níveis de exigência, e crise endêmica da educação escolar
Se é preciso perseverar, não é para se criar mais um problema, mas porque a questão das competências e a impotência em formá-las e em avaliá-las convenientemente faz parte do problema. Nesse sentido, caminhar para a identificação das competências e sua regulação faz parte de um movimento em direção a escolas eficazes, ao aparecimento de profissionais reflexivos e de escolas autônomas, em suma, em direção a uma maior profissionalização na educação.
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Dez áreas de competências
reconhecidas como
prioritárias na formação contínua
dos professores e dos professores
primários*
As dez áreas de competências enumeradas abaixo não pretendem esgotar o ofício de professor. Sem para isso ser exaustivo, o quadro relaciona as áreas particularmente reforçadas pelos novos encargos definidos para os professores, pela renovação da escola primária e pela nova formação inicial. A partir dessas áreas de competências, propostas de cursos e seminários serão apresentadas, definindo os conteúdos disciplinares e/ou transversais.
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Competências mais específicas a serem trabalhadas em formação contínua (exemplos) |
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