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in Idéias (Fundação para o Desenvolvimento da Educação, Sao Paulo, Brasil), " Sistemas de Avaliação Educacional ", n° 30, pp. 193-204.
Artigo publicado originalmente : " L’évaluation des établissements scolaires, un nouvel avatar de l’illusion scientiste ? " in Crahay, M. (dir.) Évaluation et analyse des établissements de formation. Problématique et méthodologie, Bruxelles, De Boeck, 1994, pp. 95-110.

 

 

A Avaliação dos Estabelecimentos Escolares :
um Novo Avatar da Ilusão Cientificista ?

 

Philippe Perrenoud

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
Universidade de Genebra
1998

 Tradução de Luciano Lopreto
Revisão técnica da tradução de Maria José do Amaral Ferreira.

Sumário

1. A avaliação, componente das estratégias dos atores

2. Três figuras de pesquisador: em direção à descentração

3. Um bom negócio ou uma armadilha?

Bibliografia

 


Não há avaliação puramente " científica " dos estabelecimentos escolares. A avaliação de uma escola é uma prática social que consiste em construir uma representação de seu valor em relação a outras escolas comparáveis, a uma norma abstrata ou a objetivos escolhidos por ela ou a ela atribuídos. Certamente, a avaliação pode emprestar do método científico uma parte de seus instrumentos, de seus procedimentos, de seu rigor. Ela se mune então de uma racionalidade e, portanto, de uma legitimidade que, na aparência, aumentam sua neutralidade, o que serve, quer se queira quer não, aos interesses dos atores aos quais uma representação reputada " inatacável " da realidade fornece argumentos suplementares.

 
1. A avaliação, componente das estratégias dos atores

Quando a avaliação é imposta a uma escola pelo sistema educacional do qual faz parte, a relação de forças é evidente : uma administração central quer se certificar de que as escolas observam os programas e as regras comuns e atingem um rendimento aceitável. Provavelmente, uma parte das escolas, no final das contas, sairá ganhando com uma operação deste tipo, mas, no início, todas poderão se sentir ameaçadas, principalmente se se pretende conduzir a avaliação segundo critérios " objetivos " e métodos " científicos ". Pois, nesse caso, ninguém poderá se proteger de um julgamento negativo invocando o arbítrio de um observador, sua má compreensão do que ocorre na escola, seus erros ou o tipo de aproximação que adota, ou ainda sua cumplicidade com informantes mal intencionados.

A avaliação é sentida também como ameaça quando, mesmo sem ser determinada pela administração central à qual a escola está ligada, emana de uma organização independente, que tem o poder de estabelecer uma classificação pública. Viu-se isso no Canadá, em 1991, quando uma pesquisa da imprensa produziu uma classificação das universidades. Vê-se isso cada vez que uma revista como Le Monde de L'Education estabelece uma classificação de colégios e liceus. Quando há uma verdadeira concorrência, a classificação influencia diretamente a fatia de mercado correspondente a uma escola. E, mesmo quando o recrutamento é regido por mecanismos como a carta escolar, sabe-se muito bem que a reputação de excelência atrai bons professores e que existem, por outro lado, mesmo no sistema público, mecanismos ocultos de competição (R. Ballion, 1982 ; A. Léger, 1984 ; A. Léger e M. Tripier, 1986).

Quando uma escola se engaja ela mesma numa auto-avaliação, com ou sem a ajuda de especialistas, é possível esperar mais serenidade ? De forma alguma, pois, desde o momento em que é ou pode ser tornada pública, uma auto-avaliação é suscetível de servir ou desservir aos interesses da escola. Além disso, quando se desencadeia uma operação como essa abrangendo centenas de alunos e dezenas de professores (ou mais), é muito difícil fazer dela uma atividade estritamente interna.

Mesmo que a auto-avaliação fique restrita a um uso exclusivamente interno, ela representa um desafio de bom tamanho, pois uma escola está longe de ser uma " grande família ", já que é sempre permeada por tensões entre direção e corpo docente, entre diferentes tendências pedagógicas e ideológicas, às vezes entre prédios diferentes, entre cursos diversos, entre corpos docentes de orientações e estatutos diferentes, entre literatos e cientistas, entre professores de disciplinas técnicas e os de cultura geral numa escola profissionalizante, entre professores e assistentes numa faculdade.

Numa escola, nenhum ator individual ou coletivo tem interesse na transparência total. Ao contrário, tornar evidentes certas falhas ou certos desempenhos do sistema ou de determinados profissionais sempre pode servir a algumas estratégias. Assim, os professores que ensinam disciplinas mais seletivas podem apreciar uma avaliação que " demonstre " que sua escola é condescendente demais e, por isso, perde pontos numa competição com estabelecimentos mais exigentes. Os professores da área de artes, por sua vez, podem ficar felizes se uma avaliação atestar que suas disciplinas são os "primos pobres" do sistema de ensino, e mais felizes ainda se isso ocorrer mais em termos do currículo real e das representações do que em termos dos programas e das cargas horárias. Em toda organização, cada ator tem algo a esconder e algo a desvelar que sirva a seus interesses. Ou, ao menos, acredita nisso, o que dá na mesma, do ponto de vista de suas estratégias.

Assim, a direção pode ter vontade de iniciar uma auto-avaliação da escola, por exemplo, para valorizar sua forma de administração, suas realizações. Ela estará, neste caso, em busca de legitimidade e de adesão. Mas ela pode também esperar que uma auto-avaliação evidencie algumas disfunções, o que lhe dará maior conhecimento sobre parcelas do corpo docente. A auto-avaliação pode se inscrever numa estratégia consensualista, estando a serviço de uma celebração das realizações comuns, da reconstrução de uma unidade frágil, etc. Pode também servir a estratégias de exclusão, de reestruturação, de realocação de recursos ou de busca de legitimidade. Às vezes, a direção tem interesse em favorecer uma auto-avaliação ; às vezes, julga preferível evitá-la.

Há inúmeros casos que ilustram o que foi colocado, muito simplesmente porque a gestão de um estabelecimento é feita de decisões, de lutas de poder, de alianças e de concorrência, de projetos e de balanços. A cada vez, trata-se de construir uma representação dos objetivos, dos meios empregados, dos resultados obtidos, dos pontos críticos e dos que trazem satisfação, dos modos de funcionamento que geram e explicam os efeitos. A avaliação está no coração da fabricação das representações sociais, tanto no seio das organizações como em outros espaços. E como a ordem ou a inovação, ela é muitas vezes objeto de barganhas. (M. Huberman, 1982, M.O. Nouvelot, 1988).

Seria totalmente ingênuo acreditar que uma avaliação científica, ou, digamos, uma avaliação que se sirva da pesquisa em educação, possa escapar inteiramente aos jogos do poder e aos interesses dos atores nas escolas ou no sistema educativo. Não excluo a existência, nas escolas, de atores de boa fé, que procuram compreender honestamente como funcionam e julgar mais de perto o valor o que é feito em conjunto. Mesmo assim, a avaliação é ameaçadora para aqueles que têm alguma coisa a dissimular. E os mais sinceros dos atores são sempre suspeitos, aos olhos de alguns outros, de ter " algo em mente ", um interesse oculto ou simplesmente a insuportável segurança dos que não têm nada a ser criticado…

Neste sentido, o debate entre abordagem qualitativa e abordagem quantitativa é de interesse menor. Todas as abordagens são " quantitativas " : quaisquer que sejam as informações utilizadas ; por mais qualitativas que sejam, elas alimentarão, no final das contas, hierarquias de excelência, classificações e julgamentos de valor, de natureza, se não simétrica, ao menos ordinal. E, inversamente : as medidas mais sofisticadas do rendimento, do clima, da comunicação, da seleção, em outras palavras, os produtos dos procedimentos mais científicos e mais rigorosos, irão alimentar o debate ideológico o menos racional do mundo, nem que seja no momento em que for preciso ponderar diversas classificações contraditórias a fim de fazer sua síntese. Para tomar um exemplo simples : quando o nível médio do desempenho dos alunos de uma escola for mais baixo que o das concorrentes, mas a dispersão dos resultados for maior, o que se deve concluir ? Será válido o nivelamento por baixo apenas a fim de se chegar a uma menor desigualdade ? Ou se deve pagar um nível elevado de excelência com uma dispersão mais alta ? Nenhuma abordagem quantitativa poderá responder a essas perguntas. E não há nenhuma razão para se esperar um consenso.

Afinal, a principal diferença entre métodos qualitativos e métodos quantitativos é que eles levam os atores a adotar estratégias diferentes de legitimação ou de desqualificação da avaliação. Aos métodos quantitativos, não se poderá criticar seus " aproximadamentes " ; mas se poderá mostrar facilmente que eles passam ao largo do essencial, na medida em que tentam padronizar tudo. Aos métodos qualitativos, ao contrário, vai se reconhecer um certo respeito pela complexidade e pela diversidade do real, mas frisando-se os grandes riscos de subjetividade e de arbítrio.

De modo geral, considerando a multiplicidade de fatores que compõe a estrutura, o funcionamento e os efeitos de um estabelecimento, parece evidente ser necessário conjugar as abordagens qualitativas e quantitativas. Do ponto de vista da descrição e da explicação dos fenômenos escolares, não há razões para escolhas exclusivas : cada uma dessas abordagens tem suas virtudes e seus limites. Se há alguma preferência, eu a situaria em um registro completamente diferente : o das estratégias de descentração.


2. Três figuras de pesquisador : em direção à descentração

Defenderei aqui a tese de que a principal contribuição das ciências humanas para a avaliação escolar não é primeiramente técnica ou metodológica, no sentido estrito desses termos. Ela é fundamentalmente epistemológica, quando representa uma ruptura com o senso comum, uma distância tomada em relação à realidade.

A meu ver, o papel do pesquisador em ciências humanas não é o de emprestar seus instrumentos de objetivação da realidade a qualquer ator que tenha suficiente poder ou dinheiro para mobilizá-los em seu proveito. Esta posição coloca, antes de mais nada, um problema ético : nenhuma avaliação deveria ser feita contra uma escola, em nome da administração central ou de um mecanismo de regulação do mercado ; nem contra alguns colaboradores, em benefício da direção, ou inversamente ; nem contra uma fração do estabelecimento em detrimento de outra. Em qualquer um desses casos, o pesquisador se colocaria a serviço de um dos atores, acrescentando a força de seus instrumentos à relação de forças, alimentando representações, hierarquias de valores e estratégias particulares.

Ao trabalho de avaliação eu atribuiria, antes de mais nada, duas obrigações fundamentais :

A esses dois aspectos deontológicos, que podem, é claro, ser discutidos, mas que me parecem, a longo prazo, garantias da credibilidade das ciências da educação nessa área, eu acrescentaria uma escolha epistemológica que os sustenta e confirma.

Colocando-a de uma forma esquematizada : o único interesse verdadeiro da avaliação " científica " de uma escola é o de autorizar a ver e a dizer o que nenhum ator ali atuante poderia captar ou exprimir. A sofisticação dos instrumentos de observação não me parece determinante : as análises estatísticas mais refinadas, as observações qualitativas mais sutis, quase sempre apenas confirmam o que os atores já sabiam, ao menos intuitivamente, confusamente, mas com alguma certeza. Tudo depende, na realidade, das questões que o pesquisador coloca em relação à escola, quer dizer, do olhar que ele tem sobre a realidade.

A contribuição principal dos pesquisadores, a meu ver, é : apontar os processos ou efeitos que os atores não têm o hábito de observar ou pensar. Para ilustrar esse princípio geral, eu introduzirei uma tipologia sumária das figuras do avaliador ligado às ciências humanas, ou mais especificamente às ciências da educação. Distinguirei três figuras :

A. O curioso que passava por ali ;

B. O convidado impertinente ;

C. O espião que veio do frio.

Retomemos esses três papéis e tentemos evidenciar, para cada um, as formas possíveis de contribuir para a descentração de todos os atores da escola.

 

2.1. O curioso que passava por ali

A todos os pesquisadores que participam da avaliação escolar, pode-se desejar uma certa independência de espírito. O observador do qual falo aqui é independente, num certo sentido mais forte e, de certa maneira, mais terra-a-terra : ele não é pago nem pela escola, nem pela administração central, nem por um organização preocupada em estabelecer uma classificação ou orientar os consumidores do mercado escolar. Estamos, então, lidando com uma espécie de curioso profissional, cuja representação mais clássica se aproxima das figuras do etnólogo, do sociólogo ou do psicossociólogo engajados numa pesquisa fundamental sobre um determinado aspecto das escolas.

Ninguém solicitou nada a esse observador, previamente. Certamente, essa situação não durará, necessariamente, e ele corre o risco de se ver preso nos jogos e interesses dos atores desde o momento em que estes tiverem entendido que podem utilizá-lo. Mas, se ele não for ingênuo e souber manter-se em seu lugar, seu projeto deverá ser o de se fazer aceitar como entrevistador, observador ou observador-participante, sem ser absorvido por nenhum setor…

A descentração que ele traz, então, é, primeiro, fruto das perguntas insólitas que ele faz. Assim, analisar as conversas quotidianas nas salas de professores, como Y. Duterq faz, é se interessar por fenômenos dos quais os atores estão conscientes, mas que geralmente consideram insignificantes e totalmente independentes dos aspectos pedagógicos, sindicais ou políticos dos quais preferem se afastar. Nenhum diretor, nenhum grupo de professores teria a idéia absurda de convidar um pesquisador para observar os rituais da sala dos professores, a forma como eles se agrupam espontaneamente em redes informais, o que se diz em espaços aparentemente regidos pelo acaso, mas na realidade caracterizados tanto por regularidades quanto por funcionamentos instituídos.

Da mesma maneira, quando J.-E. Charlier se interessa pelo currículo oculto, pelo papel que a escola desempenha na construção de uma identidade dos alunos, sem que isto esteja inscrito no projeto educativo declarado, ele não responde a uma demanda, mas começa a descobrir alguma coisa e a levar os atores a tomar consciência do que, em conjunto, fazem aos alunos, sem o saber, talvez em detrimento de seus objetivos declarados.

Numa escola, em geral, não se sabe, por exemplo, como são, de fato, organizados os espaços e a circulação ; nem onde e como se fabricam os boatos, as representações compartilhadas, a cultura comum e os estereótipos que se estabelecem entre professores e alunos, entre os diferentes cursos e até entre prédios diferentes. Ignora-se o peso das redes informais nos processos de decisão e de difusão da informação. Não se mede o peso da divisão dos horários no trabalho do aluno e na interação entre os adultos. Não se tem consciência de todas as coisas que nunca são ditas nas negociações sindicais, nos conselhos de classe e nos locais de discussão, apesar de elas serem determinantes para que se compreendam as expectativas e as estratégias de uns e de outros.

Nenhum procedimento de pesquisa independente esclarecerá processos ocultos, seja por estarem abafados seja simplesmente por serem pouco conhecidos. Um pesquisador independente poderá se contentar em sistematizar e verificar os fenômenos que uma parte dos atores da escola conhece bem, ao menos intuitivamente. Sem questionar a legitimidade dessas pesquisas, elas correm o risco de contribuir muito pouco para um processo de avaliação ou de auto-avaliação, salvo quando as precisões estatísticas que elas trazem forem decisivas.

As pesquisas independentes que propõem um ponto de vista inesperado sobre a escola, que colocam perguntas que os atores nunca se colocaram, podem, ao contrário, contribuir grandemente seja para iniciar um processo de auto-avaliação, seja para reorientar a ação, ajudando os atores a tomar consciência de que as categorias e as questões que lhes são familiares mascaram uma parte da realidade e os condenam a continuar jogando sempre o mesmo jogo tradicional, por exemplo, buscando um bode expiatório ou uma auto-justificação coletiva. Quando F. Dubet (1991) mostra a realidade vivida pelos alunos dos liceus, ele transforma parte dos problemas classicamente colocados no ensino secundário em termos de orientação, na medida em que mostra que a relação com a escola vivida efetivamente pela maioria dos alunos não é a mesma que imaginamos. Da mesma forma, qualquer análise realista das práticas pedagógicas e do curriculo real (P. Perrenoud, 1984, 1993 a) mostra a inutilidade de alguns debates sobre as reformas escolares e sobre o controle da ortodoxia pedagógica, já que evidencia uma autonomia muito ampla das práticas em relação aos textos que a deveriam governar. Uma pesquisa sobre o modo como os professores preparam suas aulas ou corrigem as provas pode modificar totalmente o debate sobre o seu tempo no trabalho. É por isso, aliás, que é tão difícil conduzir verdadeiras pesquisas sobre esse tema… 

2.2 O convidado impertinente

Aqui, por vias diversas, o pesquisador é convidado pela escola a contribuir para um trabalho de auto-avaliação. Essa última etiqueta não é necessariamente utilizada ; pode-se, conforme o caso, falar de uma crise, de uma reflexão coletiva, de um balanço, da resolução de um conflito, do acompanhamento de uma inovação, de um check-up, etc. Pouco importa o vocabulário : o que conta é que uma parte dos atores da escola entra em acordo no sentido de chamar um participante externo, encarregado de ajudá-los a construir uma imagem de seu funcionamento, de suas relações e dos efeitos de seu trabalho.

Nesse caso, o pesquisador concederá menos atenção aos aspectos do estabelecimento não citados pelos atores, já que seu contrato consiste em corresponder a uma expectativa, em examinar um certo número de áreas que os atores consideram pertinentes. Esse procedimento pode, entretanto, trazer à luz aspectos insuspeitados. Por exemplo, em um estabelecimento secundário, não é raro que muitos professores se queixem da extrema fragmentação do horário escolar, que os obriga a ensinar em aulas isolados de 40 a 50 minutos, fato que os faz dedicar muita energia para retomar o fio do trabalho interrompido, para recriar as condições de trabalho e de diálogo ou, ao fim da aula, para por um fim à atividade e preparar a transição para a atividade seguinte. Ora, quando se examina a forma como os horários são negociados, percebe-se que muito poucos professores solicitam sistematicamente que se juntem duas aulas consecutivas em seus horários. Quando se procura entender o porquê disto, pode-se descobrir dois tipos de motivos. Alguns querem concentrar todos as suas aulas em quatro dias, ou até em três dias úteis, para que possam dispor livremente do resto da semana ; eles não querem, então, comprometer este privilégio multiplicando suas exigências. Para outros, o obstáculo é de natureza muito diferente : " conseguir segurar a turma " durante duas aulas consecutivas lhes parece um esforço muito grande ; temem que seu trabalho fique mais difícil se tiverem que regularmente impor sua autoridade a alguns alunos durante uma hora e meia ou mais. Nenhuma análise puramente quantitativa esclarecerá essa contradição entre as solicitações aparentes e os comportamentos efetivos dos atores. Mas qualquer análise será perfeitamente inútil se não houver um local onde o pesquisador possa comunicar suas observações e estimular um processo de análise coletiva pelos próprios atores. Daí a importância, como mostra C. Hadji, de inscrever essa participação na auto-avaliação na dinâmica do estabelecimento e em uma relação contratual clara.

Raramente as pessoas que solicitam uma avaliação de sua escola são masoquistas. Geralmente, elas esperam que a avaliação reforce sua posição dentro da organização. É extremamente raro, ainda, que uma intervenção seja solicitada ou aceita com a mesma convicção por todos os envolvidos. Alguns sempre têm mais a perder que outros quando autorizam um olhar externo em suas práticas. Portanto, ao negociar um contrato de participação num processo de auto-avaliação de uma escola, um pesquisador em educação deverá tomar certas precauções, reunindo, por exemplo, todos os envolvidos e assegurando-se de que eles estão aderindo à avaliação, ou de que pelo menos não se opõem a ela. Muitas vezes, a direção ou o grupo mais inovador acreditam de boa fé estarem expressando a " vontade geral ". Isso nunca está garantido previamente e o pesquisador, antes de se engajar no trabalho, deveria sempre procurar verificar se, antes mesmo de colocar os pés na escola, ele já não é refém de uma parcela dos envolvidos (P. Perrenoud, 1988).

Entretanto, suas precauções não evitarão que a auto-avaliação e a solicitação de assessoria sejam em grande parte elaboradas segundo a lógica habitual das relações de força no estabelecimento. Uma das maneiras de reequilibrar parcialmente as coisas é não se restringir a uma demanda definida a priori e inalterável. O pesquisador, mesmo atendendo a uma solicitação, deve se conceder uma margem de autonomia e conservar o direito de questionar e de conduzir investigações que, sem terem sido previstas de início, se revelarem necessárias no decorrer das observações. Isso não significa que o pesquisador tenha carta branca, que ele possa se mover dentro da escola contra a vontade dos atores ou sem negociar com eles. Mas ele deverá ter o direito de ir um pouco além do que lhe foi solicitado. Sem isso, se tornará pura e simplesmente um aliado da parcela dominante dos atores envolvidos.

Uma das formas de ampliar a avaliação é levar, pouco a pouco, todos os atores, inclusive os mais poderosos, a aceitar a idéia de que eles fazem parte não apenas da solução, mas também do problema. Pode-se duvidar, por exemplo, que um grande absenteísmo ou uma violência endêmica entre os alunos de uma escola secundária possam ser explicados abstraindo-se isso totalmente do contrato pedagógico e das atitudes da direção e dos professores para com os alunos. Da mesma maneira, se uma parte do corpo docente não respeita suas obrigações ou não atinge os níveis pretendidos, talvez seja necessário interessar-se não somente por sua qualificação e por sua adesão, mas também pelas condições de trabalho, de enquadramento no estabelecimento, de diálogo, de formação continuada e de participação na escola.

Tal é o paradoxo de um avaliador associado a um procedimento de auto-avaliação : ele só é útil quando for impertinente. Ele é o único que pode apontar ou interferir no caráter sistêmico de um certo número de disfunções, o único a poder romper o lançar sem fim da responsabilidade sobre " os outros ". Precisamente por isso, se nos engajarmos num procedimento de auto-avaliação, é necessário associar a ele um avaliador suficientemente independente para ver e dizer o que os envolvidos não têm a liberdade ou a coragem de enunciar, ou mesmo de denunciar.

A esse respeito, nunca seria demais insistir na importância de uma formação deontológica e psicossociológica do avaliador. Se trabalhar bem, ele pode desencadear tomadas de consciência e crises que mudarão as representações e as relações dos atores. Há que se temer, assim, quanto a isso, o desenvolvimento anárquico de um " mercado da avaliação " em expansão, que levaria avaliadores mal formados ou irresponsáveis a causarem estragos.

2.3 O espião que veio do frio

Trata-se da situação mais desconfortável : o avaliador não é solicitado pela escola, mas enviado pela administração central, à qual ele está ligado, ou por uma organização independente. É raro que esse tipo de procedimento seja totalmente imposto do exterior, por razões éticas e também porque uma avaliação externa que não obtenha um mínimo de cooperação dos atores da escola não chega a lugar algum. Entretanto, mesmo se a avaliação externa for parcialmente negociada, não se deve ignorar que ela chega num momento e em condições que a escola não escolheu inteiramente. O avaliador, logo, é sempre visto, ao menos por uma parte dos interessados, como um espião que veio do frio, ou seja, um inspetor diante do qual se deve fazer boa figura.

Pode-se sugerir aos pesquisadores em educação que se coloquem o menos possível em tal situação. E que, se estiverem nela, esforcem-se por transformá-la num contrato de participação em uma auto-avaliação. Ainda que não consigam alterar neste sentido a forma de sua intervenção, os pesquisadores em educação ao menos podem modificar seu espírito. Para isso, é importante que saibam mostrar aos atores na escola que um procedimento de avaliação, mesmo que venha de fora, pode, em parte, servir a seus interesses. Mais uma vez, é preciso que isso seja real, e não uma simples manipulação a fim de obter sua cooperação.

Nesse caso, o avaliador investirá muito mais energia que os outras duas figuras anteriores na construção das condições mesmas necessárias a uma avaliação relativamente serena. Isto o levará a centrar sua observação, num primeiro momento, nas resistências à avaliação, nas fantasias que ela provoca em todos ou em uma parte dos atores. Fazendo isso, ele já estará realizando um trabalho útil, seja por evidenciar falhas reais da organização, que deverão ser encaradas com lucidez e trabalhadas pela escola ; seja porque a observação pode mostrar que certos temores são infundados, por exemplo quando se atribuem à administração central expectativas que ela não tem, ou quando, sem razão alguma, a escola se compara a outras, de forma a se desvalorizar. 


3. Um bom negócio ou uma armadilha ?

As ciências humanas têm tanta sede de respeitabilidade (e de recursos…) que estão quase sempre prontas a complicar as coisas mais simples para se tornarem indispensáveis. A avaliação das escolas se inscreve em um processo de racionalização do sistema educativo. Não é indispensável, contudo, que a " ciência " concorra para essa evolução sem análise nem condição. A tentação cientificista, entretanto, é ainda maior quando a racionalização é feita de maneira gradual, dispersa, às vezes ingênua ou improvisada. É legítimo que a pesquisa inspire certos métodos de avaliação dos sistemas, que ela proponha conceitos ou procedimentos ; é normal que parte dos pesquisadores em educação esteja envolvida em projetos de avaliação, porque eles representam recursos em matéria de observação, de animação, de intervenção e de síntese de dados complexos.

Tudo isso, contudo, não basta para constituir a avaliação em prática científica. Com J. Plante, defenderei o bom senso, e mesmo o GBS (o grande bom senso) aplicado à análise dos problemas que se colocam nas organizações. Isso não quer dizer que não possamos nos apoiar em nenhum conhecimento fundamental sólido, nem em nenhuma metodologia de pesquisa experimentada. Isso quer dizer, sim, que, na avaliação, mais ainda que na área de pesquisa e desenvolvimento, o pesquisador deve aceitar ser um ator social de forma completa, enredado nos jogos da concorrência, do poder, da busca de autonomia, da legitimidade e do mercado. Nem por isso ele é um ator como os outros, já que encarna, em princípio, uma perspectiva diferente, mais distante, pluralista, prudente. Mas ele não pode se retirar logo após ter posto novas representações em circulação : ele é então, mais que nunca, responsável pelo uso que será feito delas.

Colocar o problema em termos metodológicos (abordagem qualitativa ou quantitativa) é, portanto, bastante falacioso. Não somente porque ambas as abordagens são complementares, mas porque a questão é, primeiramente, ética, epistemológica, estratégica : para que servem a pesquisa e os pesquisadores nessa aventura, que têm eles a ganhar ou a perder engajando-se numa avaliação de sistemas educativos ou de escolas ?

Não esqueçamos nunca que a atual voga da avaliação de escolas é bastante ambígüa, como qualquer tentativa de racionalização. As utopias racionalistas são necessárias, como tentei mostrar em relação à pedagogia da maîtrise (P. Perrenoud, 1988a), contanto que se saiba que são utopias…

É a um só tempo legítimo e útil que a escola se interrogue regular, séria e abertamente sobre suas finalidades e a forma como ela as persegue, sobre seu funcionamento e suas práticas. A própria pesquisa contribuiu para mostrar que as reformas e as políticas centralizadoras fracassam porque não deixam espaço à apropriação, à reconstrução das finalidades e das estratégias pelas escolas e pelos profissionais. Se caminharmos para uma maior descentralização nos pontos onde a tradição nacional é centralizadora, isso será positivo. Mas, imediatamente, tocamos no problema da autonomia das escolas, logo, também na questão de seu controle em relação a programas, quadros e finalidades globais. O problema se apresenta também nos sistemas de tradição descentralizadora : mesmo neles, alguns temas são colocados em escala nacional - democratização, modernização dos currículos, por exemplo - e é perigoso, nesse setor, confiar plenamente nas iniciativas locais. Não se sabe mais muito bem quem controla a escola. Analisamos em outros trabalhos (P. Perrenoud e C. Montandon, 1988) a tensão entre políticas de instituições e práticas dos atores. A questão das relações entre políticas de conjunto e autonomia local é, aliás, colocada um pouco em toda parte (W. Hutmacher, 1990).

Nesse contexto, a avaliação das escolas está na ordem do dia, já que ela aparece como um instrumento de regulação da autonomia local. É desejável que os pesquisadores em educação estejam presentes nesse debate. Antes de mais nada não como " profissionais da avaliação ", mas sim como profissionais da educação e do funcionamento dos sistemas escolares. E, sobretudo, como intelectuais críticos, capazes de contestar os modismos do momento, recusando-se a calar suas dúvidas em função de outros interesses. Com a afirmação : " A eficácia dos estabelecimentos não se mede : ela se constrói, negocia-se, pratica-se e se vive ", M. Gather Thurler (1991) contribui para recolocar as coisas em seus devidos lugares. Não são os contratos de avaliação que importam, mas a existência de processos eficazes de regulação da ação pedagógica e do funcionamento das escolas e dos sistemas, regulação esta que trate do essencial, a saber, da redefinição e da consecução das finalidades principais. Certamente, a regulação pressupõe sempre alguma forma de avaliação. Mas vê-se que se trata um processo contínuo, que deverá se inscrever numa dinâmica permanente de auto-avaliação e de mudança, e fazer dos professores " sociólogos de sua escola " (J.-L. Derouet, 1985). A contribuição mais pertinente à evolução da escola não é multiplicar as auditorias e as intervenções pontuais, mas refletir sobre a forma como a escola ensina (M. Gather Thurler e P. Perrenoud, 1991 ; M. Gather Thurler, 1992 ; P. Perrenoud, 1993 b) e orientar seu funcionamento nesse sentido, através de todos os tipos de intervenções, de colaborações, de pesquisas-ação e de pesquisas participantes (M. A. Hugon e C. Seibel, 1988).

A avaliação pode ser um ponto de entrada na dinâmica dos estabelecimentos, um tipo de cavalo de Tróia. Ela pode ser ainda uma armadilha, se levada demasiadamente a sério, ou se dela esperarmos benefícios imediatos…


Bibliografia

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