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Os dez Não-Ditos ou
a Face Escondida da Profissão Docente
Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação
Universidade de Genebra
1999
I. Os não-ditos
A imagem pública de uma profissão docente constitui um grande desafio tanto para profissionais quanto para as organizações que os formam ou os empregam. Essa imagem torna-a visível, situa-a em relação a outros : identifica tendências, pontos fortes, pontos fracos. Nenhuma corporação profissional pode ser indiferente à sua imagem pública na medida em que sua reputação depende disso ; logo, também o prestígio, o rendimento, o poder de seus membros dependem disso. A imagem tende, naturalmente, a defender e a ilustrar a profissão ; logo, fala do professor digno deste nome, da profissão tal como deveria ser. O Estado e os outros poderes organizadores da escola definem e controlam, por sua parte, excessivamente as competências, as condições de recrutamento, a formação inicial ou contínua dos professores que formam ou empregam. Então, a imagem pública do professor igualmente importa porque se confunde, em parte, com a defesa e ilustração da profissão docente, a pedido de outros interessados, que se queixam tradicionalmente de não serem apoiados suficientemente pelos responsáveis do sistema educativo. Nos momentos em que a imagem pública dos professores não é aduladora, os atores da escola fazem calar suas querelas internas e reconstituem calar suas querelas internas e reconstituem a união sagrada contra seus detratores, aqueles que denigrem ao mesmo tempo a profissão assim como as organizações que a mantêm.
Nenhum poder pode esperar dominar integralmente sua imagem pública. Mesmo os Estados totalitários, aqueles que controlam a imprensa e a opinião pública oficial, não podem impedir as pessoas de pensar e dizer baixinho o que pensam. Pode acontecer que a confrontação de imagens, umas mais positivas, outras mais negativas, favoreça um certo equilíbrio no espírito daqueles que procuram ver claro e dizem que a verdade se encontra sem dúvida entre os dois. A contradição, entretanto, não é uma garantia suficiente de lucidez. Ela evita simplesmente que uma imagem simplificadora e injusta domine a opinião.
O que importa, para formar os professores, para garantir o desenvolvimento dos sistemas educativos, as reformas de estrutura e de currículo, a luta contra o fracasso escolar, não são os julgamentos globalmente equilibrados sobre os docentes, sem dar razão nem a detratores nem a defensores incondicionais. Para construir um plano e dispositivos de formação, melhor seria proceder à análise paciente da complexidade da profissão, computando o que se diz publicamente, que contém uma parte de verdade, e concentrando-se também, e talvez em primeiro lugar, naquilo que se encontra no âmago das práticas pedagógicas, mas que não podem ser ditas publicamente.
Por que não podem ser ditas publicamente ? Por que os diversos aspectos das práticas e da profissão docente não encontrariam uma justa contrapartida nas imagens públicas ? A questão pode parecer trivial : cada organização não tem suas vítimas nas prateleiras ; cada corporação profissional não tem suas ovelhas negras ? Existem em todas as corporações constituídas, à margem, uma fração mínima de pessoas sem nenhuma possibilidade de defesa, que usurpam seu título e a confiança que se pode ter nelas. A corporação não pode reconhecer isso publicamente, salvo quando se constitui no único meio de se proteger do risco (ainda mais grave) de parecer cobrir o inaceitável.
A imagem pública que propõe uma corporação profissional de leigos médios é sempre mais rosa que a diversidade efetiva das práticas e dos profissionais. Colocam-se, de início, os leigos mais admiráveis por suas competências, seu devotamento, seu trabalho obstinado, sua justiça, seu espírito inovador. Minimizamos a parte daqueles que não têm as qualificações necessárias, que fazem o menos possível, que não respeitam as regras de ética ou que não renovam sua formação. Por que os professores seriam, a esse respeito, mais perfeitos do que os médicos, os policiais, os jornalistas ou os tabeliões ? E por que teriam interesse, mais que os outros, em reconhecer abertamente essa imperfeição ?
Seria muito interessante comparar a maneira pela qual diversas profissões tendem a ocultar ou minimizar sua parte dos fracassos ou das asneiras. Esse não é o nosso propósito. Eu não me interesso pela exceção, mas pela regra, no que constitui o âmago da profissão tal como a exercem os professores comuns, normalmente competentes e respeitáveis. Não se trata, pois, das exceções, qualquer que seja o seu número, mas da regra : o ensino parece-me uma profissão em que alguns componentes principais são ignorados ou largamente amenizados nas imagens públicas da profissão, e mesmo nas imagens internas.
Analisarei os não-ditos da profissão docente em dez quadros : o medo ; a sedução negada ; o poder vergonhoso ; a avaliação todo-poderosa ; o dilema da ordem ; a parte do fazer tudo ; a solidão ambígua ; o aborrecimento e a rotina ; a inconfessável distância ; a liberdade sem a responsabilidade. Explicarei, em seguida, as razões desses não-ditos, chamados a comédia da dominação e da racionalidade.
Aqui neste texto, o paradoxo da análise sociológica é tentar formular publicamente o que habitualmente não aparece nas imagens públicas. Para entrar nessa matéria, o leitor é convidado a abandonar por um instante a ficção do que seja um professor digno desse nome, que não conhece nem o medo, nem a embriaguez do poder, nem a sedução, nem
Por que os dez não-ditos ? O número deve-se mais ao prazer do jogo de palavras que à existência na realidade de dez dimensões escondidas da profissão docente, nenhuma a mais ou a menos. Acrescento que o inventário aqui proposto não tem uma lógica particular, nem pretende ser exaustivo. Não se fundamenta sobre certezas científicas, mas de preferência sobre um diálogo sem interrupção com os professores nos grupos de formação ou nos encontros de pesquisa em que eles falam sem exageros de seu coditiano.
O medo
Medo, eu, você quer rir ? Do que teria medo ? Sim, nos bairros marginalizados, há o medo de encontrar seu automóvel com os pneus furados, de ser pessoalmente agredido. Existe o medo, eventualmente, de não levar vantagem em classe. Mas são, ainda, situações marginais, mesmo se elas ocorrerem em um número crescente de estabelecimentos atacados pela crise urbana. Essas condições extremas podem parecer estranhas à essência da profissão docente. Eu creio, ao contrário, que elas revelam uma das raízes da relação e das práticas pedagógicas. Ensinar é principalmente :
Entre o pânico irrepreensível do jovem professor jogado num colégio de má reputação de periferia e as pequenas angústias de um professor aguerrido instalado numa zona aprazível, não existe uma medida comum. A instituição, a formação, a experiência têm por função, senão dominar totalmente esses medos, pelo menos reduzi-los a proporções razoáveis, ou simplesmente fazê-los calarem-se. " A França tem medo ", afirmou um dia um jornalista na televisão ! Ele generalizava para melhor assinalar o aumento de um sentimento de insegurança urbana. Não era toda a França que tinha medo, assim como também não são todos os professores que tremem cada dia antes de ir para a classe. Seria, talvez, mais justo dizer que não é necessário muito para que o medo volte, para que a pacificação das relações sociais apareça de repente muito frágil, para que outro se torne ameaçador. Medos precisos ou angústias difusas, pequenas ou grandes, que atravessam a profissão docente, dessas não se fala ou nem se fala muito.
A sedução negada
Para instruir é preciso, de uma maneira ou de outra, captar a atenção e a boa vontade. Como os programas são, por vezes, áridos para os alunos que não são mais herdeiros e cuja relação com o saber é incerta, a melhor alternativa que resta ainda é seduzir, com a condição de nunca confessar que é, ao mesmo tempo, um poderoso motor e um verdadeiro prazer
O mundo da educação é de um grande puritanismo, desde que se trate da relação pedagógica (Cifali, 1994). Atenção : crianças e adolescentes ! Tudo que evoca o desejo e a sexualidade é excluído. Pode-se gostar das crianças com um amor maternal ou paternal (esquecendo, bem entendido, que estes amores não são totalmente assexuados). Aos 10-12 anos, isso balança.
É considerado normal que os menores sejam protegidos e que a sedução permaneça na ordem do saber e da comunicação intelectual. Pode-se recorrer a outras metáforas ameaçadoras : presença, carisma, arte de captar o olhar e o espírito, senso de humor, talento pedagógico. No total, o saber é raramente dissociável da pessoa que o encarna e bem se sabe que um professor que passa bem torna agradáveis ensinamentos em si mesmos ingratos. Seduzir não é necessariamente se fazer amar e, logo, fazer amar aquilo que se ama. É, no mínimo, favorecer uma transferência, fazer amar os conteúdos : quem ama outra coisa, por exemplo, o ambiente, o jogo, o suspense, a competição, a solidariedade, a representação, a emoção, a surpresa.
Seduzir para ensinar ensinando choca-se contra um duplo tabu : de uma parte, tudo o que a palavra e a idéia evocam no registro do desejo e da culpabilidade ; de outra parte, a recusa de toda manipulação. A escola gostaria de acreditar que se aprende não pelos " belos olhos " do professor ou da professora, nem mesmo pelo jogo social que se organiza em torno do saber, mas pelo valor intrínseco deste último. Ficção respeitável, mas que lança um véu pudico sobre o que realmente faz funcionar para fisgar, atrair, embarcar todos aqueles que não caíram desde a infância no caldeirão do saber.
O poder vergonhoso
A sedução raramente é suficiente. Ela não opera sobre todos os alunos ou todos os grupos, ou não é suficientemente constante para garantir as condições adequadas de ensino e aprendizagem. Então, ser professor é também ameaçar e punir, exercer uma violência que, por ser simbólica, não é menos dolorosa que os castigos corporais. Ora, chamar a atenção, chamar a ordem, sancionar, ameaçar não é muito valorizado para um professor, não é a parte da sua profissão a que reivindica mais abertamente. Nenhum deles se sente realmente à vontade com o poder ; cada um bem que gostaria &endash; diz ele &endash; de não ter necessidade de recorrer a isso e nega, em todo o caso, com toda a veemência, que ele se possa servir disso com algum prazer. Globalmente, o poder não é bem visto no mundo do ensino. Agora, coloque a palavra em um projeto pedagógico : em geral, vai-se encontrar alguém para dizer que esta palavra o aborrece. O poder é uma coisa ruim, uma coisa vergonhosa, um tabu absoluto em certos grupos, um fenômeno eufemístico na maioria das vezes.
Ensinar consiste também, e às vezes em primeiro lugar, em assumir uma relação de força, em exercer uma forte coação sobre alunos que não pediram nem para serem instruídos, nem para ouvir as lições, nem para fazer os exercícios escolares quase todos os dias de nove a quinze anos de suas vidas. A sociedade adulta não se preocupa com que os professores, aos quais delegou essa função ao mesmo tempo nobre e ingrata, se utilizem de forma exageradamente explícita de parte da violência, doce ou menos doce.
Os próprios professores não estão muito à vontade com o poder e preferem passar por gatos sobre brasas, desde que se trate de analisar o que passa sob este ângulo, tanto numa classe como numa equipe pedagógica. O único poder do qual se fala com segurança é aquele que pode ser denunciado porque estamos submetidos a ele. Pode-se, eventualmente, aceitar exercer a autoridade pedagógica como um mal necessário, uma condição de ensino e de igualdade. É mais difícil reconhecer que se pode desfrutar o poder, reconhecer que o desejo de ensinar não está muito distante do desejo de modelar o outro, de lhe traçar o caminho.
A avaliação todo-poderosa
Ranjard (1984) não dissocia a temática da avaliação da do poder. Ele se pergunta por que os professores se agarram a essa atribuição de notas, da qual cada um conhece hoje os limites - os vieses, o arbitrário, os aspectos destrutivos. Ranjard responde :
Eles defendem um prazer. Um prazer de má qualidade mas seguro, garantido, cotidiano. Um prazer que deve ser disfarçado para ser vivido sem culpabilidade. (...) Esse prazer, é o prazer do Poder com P maiúsculo. O professor é o senhor absoluto de suas notas. Ninguém no mundo, nem seu diretor, nem seu inspetor, nem mesmo seu ministro, não pode fazer nada sobre as notas que ele deu. Porque foi no âmago de sua consciência que ele as atribuiu. Com seu diploma, lhe foi reconhecida a competência de dar nota (ao que não falta um pouco de pimenta !). Sua consciência profissional é inatacável. Na sua função de avaliador, ele é todo o poderoso. E este domínio, é o poder sobre os alunos. (Ranjard, 1984, p.94)
Sem dúvida, não se deve generalizar : certos professores sofrem o martírio diante das contradições do seu papel. Pode-se, no entanto, retomar Rajard em um ponto : se a maioria dos professores desprezasse em profundidade as notas e outras classificações, o sistema não teria a força de impô-las ! Muitos encontram nisso, realmente, a parte que lhes cabe por diversas razões. Talvez, para alguns, seja a fórmula de Ranjard um prazer que vem dos infernos e não tem a coragem de olhar de frente ! Talvez seja simplesmente o único meio de pressão eficaz ; pelo menos no momento, o risco de fracasso é mobilizador. É também uma maneira de dividir a progressão do conhecimento, do saber, de regular o investimento e o ritmo do trabalho da classe (Chevallard, 1986). Ou ainda, a inconsciente repetição de esquemas autoritários vividos e suportados da infância até a formação, depois na instituição escolar
No trabalho escolar, a avaliação pode representar um terço, ou seja 40-50% do tempo de presença em classe. No tempo de trabalho pessoal do professor, a preparação de provas e a correção de cópias pesam muito. No entanto, na identidade que estabelecem os professores, este componente da profissão é raramente colocado na frente. Faz parte daquelas coisas que precisam ser bem feitas, mas que não parecem muito gloriosas. Por quê ? Porque a distância é grande, por exemplo, entre quatro anos de estudos literários e a correção semanal de 25-30 dissertações de colegiais ; porque a avaliação é o componente menos agradável da prática, em que a injustiça ameaça, aflora ou brilha, em que o fracasso da escola se manifesta com o fracasso de alguns alunos (Perrenoud, 1993b).
O dilema da ordem
É impossível estar preparado para tudo que pode acontecer numa classe. No campo do saber, o professor pode encontrar-se nos limites daquilo que ele domina, pelo menos se ele cria situações didáticas de riscos. Na ordem das relações intersubjetivas e das dinâmicas de grupos, é absolutamente impossível prever tudo, salvo se for exercida uma repreensão feroz. Sintetizando, nos encontramos, então, diante de duas estratégias igualmente inconfessáveis. A primeira consiste em delimitar os conteúdos e as tarefas, as relações e as regras do jogo de tal modo que nenhum imprevisto possa acontecer :
A diretora insiste muito para que tenhamos uma maneira de trabalhar muito rigorosa, nunca com hesitação, com nenhum projeto que aborte Por exemplo, durante um curso, que não seja permitido que um anjo passe, que não seja dado tempo para que um anjo passe, quatro ou cinco alunos que estão sobre a mesa ou de pé sobre a cadeira ou de pé na classe. O barulho, a agitação ou a bagunça ou a desordem começam muito rápido, se um anjo passa. Eu, com a experiência que tenho, é preciso quando o professor põe o pé na sua classe, é preciso que o seu curso seja muito rigorosamente estruturado, que ele saiba do primeiro até o último minuto aquilo que vai fazer. Se o curso termina cinco minutos antes do fim da hora, eu tenho sempre um jogo para os ocupar de maneira agradável, até o último minuto, porque se eles não estão ocupados até tocar o sinal do fim da aula, haverá desordem. Não se pode esperar que este tipo de aluno vá permanecer calmo e se a gente diz para eles : terminei minha aula, podem fazer o que quiserem nos cinco minutos restantes Ah não ! eu jamais vi os alunos ficarem calmos cinco minutos se eles não estiverem ocupados pelo professor (fragmento de uma entrevista recolhida e relatada por Derouet, 1988).
Não permito que um anjo passe ! Não pode acontecer a menor falha que desestabilize o sistema didático e a relação pedagógica. Com exceção das classes em que reina uma harmonia preestabelecida, em que os alunos são preparados de antemão para a causa do ensino, o controle social sem falha supõe uma violência simbólica considerável e um grande fechamento à vida para a diversidade de pessoas. Ninguém exporia com orgulho o fato de que aferrolhar tudo para não ser tomado de surpresa, nem correr o risco de perder o controle ou o poder.
A alternativa, evidentemente, é deixar que as coisas aconteçam e enfrentar os acontecimentos da melhor forma possível, sabendo, nesse caso, que seremos regularmente levados a ficar de lado não por incompetência, mas porque é difícil entender e decidir constantemente de forma positiva diante do imprevisto. Quando um comediante improvisa a partir de frases ou palavras que recolhe no momento junto aos espectadores, sua perfórmance é admirada e alguns improvisos menos convincentes são perdoados. Com o professor o contrato não é o mesmo : a família, os alunos, os colegas, a inspeção lhe relembram a imagem de alguém que é considerado sabedor daquilo que faz. Imaginem, por exemplo, um professor estagiário ou mesmo um professor mais experiente que, observado por um formador ou um inspetor, assume sem hesitação o risco de uma tentativa de projeto ou de uma situação aberta ; se ela dura pouco, dirá tranqüilamente que o sucesso nunca é garantido, que o importante é tentar, que amanhã será melhor ? Não se poderia fixar tal serenidade sem uma identidade, uma solidez e um domínio que se situam acima da média.
Poderia ser adiantada voluntariamente a hipótese de que certos professores estão sempre do lado da radicalização ; outros estão do lado da improvisação com altos riscos, mas a maioria oscila entre essas duas posturas, conforme os momentos da semana ou do ano, os vôos, as partes do programa, o clima. Não é fácil uma imagem pública dar conta dessas oscilações sem correr o risco de parecer incompetente. As duas estratégias levam o professor a se sentir vulnerável : uma atitude tradicional, frontal, rígida, parece hoje voltar as costas às pedagogias do projeto e à diferenciação de ensino ; diremos que ela não leva em conta a realidade dos alunos, que fabrica o fracasso e a exclusão. Ao mesmo tempo, as famílias e a opinião pública persistem em esperar dos professores atitudes ortodoxas, uma planificação precisa de aprendizagem, uma autoridade sem falha. Como se fosse difícil aceitar a parte de desordem, de negociação, de oportunismo indissociável das pedagogias abertas (Perrenoud, 1994 a ; 1995 a).
A parte da bricolage
Fazer milagres com aquilo que está ao alcance da mão suscita admiração se falarmos de Robinson Crusoé ou de um faz-tudo genial. Os profissionais são, ao contrário, considerados pessoas que dispõem dos instrumentos adequados para cumprir sua tarefa. O que pensaríamos de um dentista ou de um cirurgião que procura, com um brilho de excitação no olhar, um instrumento que lhe permitiria realizar bem feito seu trabalho. Ele diz, ao contrário, à instrumentadora : Passe-me a pinça de Perkins nº 4. O professor não tem uma instrumentadora. No entanto, espera-se também que ele tenha ao alcance da mão, quase sempre, os meios de ensino e de avaliação que a ele convêm. Aqui também, duas estratégias se apresentam :
Colocar simplesmente o problema é correr o risco de parecer pouco criativo, funcionário conformista, franco atirador, desejoso de reinventar a roda para seu prazer O verdadeiro profissional é aquele que reconhece os dilemas e aceita não poder responder simplesmente ou uma vez por todos. É também aceitar se expor ao julgamento crítico daqueles que consideram a dúvida uma fraqueza de caráter ou um sinal de incompetência
A solidão ambígua
Profissão individualista, dizem. O professor pode fazer o que quer uma vez fechada a porta da sua classe. Será isso verdade e tão satisfatório quanto é dito ? Tanto não é uma maneira de se proteger quanto uma aspiração a uma total autonomia ? O professor faz o que quer tanto mais facilmente quanto quer, grosso modo, que a instituição e a sociedade lhe prescrevem.
Paradoxalmente, o conformismo que os domina é dificilmente confessável. Quando se está formado no bac+5 (bacharelado seguido de cinco anos de estudos universitários), como não pretender ser um prático autônomo e criativo ? Cada professor deve-se dizer Escuta a diferença e sugerir que não é nenhum agente anônimo de uma vasta máquina burocrática, mas, ao contrário, um artesão, um artista independente. Ao mesmo tempo, seria perigoso expor com tanta clareza os desvios precisos, identificáveis. Os professores que pretendem fazer o que querem se resguardam de descrever mais concretamente suas práticas. A administração lhes permite isso. Ela pode fechar os olhos por longo tempo quanto a isso sem ser interpelada pelos usuários que apontam sobre desvios tangíveis no programa, nas regras deontológicas, nos processos de avaliação.
A solidão da profissão docente aparece freqüentemente como escolhida e assumida condição de autonomia, de criatividade ou de eficácia. Essa representação é reforçada por aqueles que falam de seu ceticismo ou de suas reticências frente ao trabalho em equipe pedagógica e geralmente a qualquer forma um pouco intensiva de cooperação profissional. Como não ver que essas afirmações escondem também a refutação do confronto com os outros, o temor de ter de se engajar mais no trabalho, de ser levado a mudar sua prática sob a influência dos outros, o sentimento de que não será capaz de preservar sua identidade. Trabalhar junto, numa profissão humana, é, já disse, " partilhar sua parte da loucura " (Perrenoud, 1994 c). Fórmula certamente exagerada, se tomarmos loucura em sentido mais pleno, mas que enfatiza que a relação pedagógica e a gestão de classe engajam profundamente a pessoa do professor no que ele tem de mais íntimo, no que concerne à sua identidade, à sua maneira de ser no mundo, a seus valores e atitudes menos negociáveis ou justificáveis em nome da razão. Gostos e cores, dizemos, não se discutem. Resta admitir que numa prática profissional também existem gostos e cores !
O aborrecimento e a rotina
" Será que eu vou morrer em pé, diante de um quadro-negro, com um giz na mão ? " Essa frase de Huberman (1989) resume a interrogação que domina uma parte dos professores engajados depois de dez anos ou mais no ciclo da vida profissional. Durante os primeiros anos, o professor não se aborrece, ocupado demais em fazer " andar " as classes em que atua. Após alguns anos mais tranqüilos, pode, para apimentar um pouco a vida profissional, engajar-se num projeto da escola ou em alguma inovação. Também se cansa e chega o momento em que o aborrecimento espreita, em que não se tem mais energia e fé suficientes para remover montanhas.
É claro, alguns escapam às regularidades do ciclo de vida profissional e vivem uma aventura pedagógica a cada instante. Acontece que a condição de professor média condena a uma grande repetição. Sem dúvida, há rotina nas profissões, mesmo nas mais qualificadas. No momento, na quadragésima consulta insignificante da semana, mais de um médico se pergunta, sem dúvida, por que ele fez tantos anos de estudos para tratar de gripes e reumatismos. Ao menos terá cada semana um problema novo a resolver, que mobilizará toda sua sagacidade. Com os professores ocorre algo diferente ? Para que um problema inédito seja fonte de renovação e de gratificação, é preciso estar pronto para acolhê-lo e tratá-lo com curiosidade e seriedade. Numa classe, se o professor abrir bem os olhos, os desafios não faltam. Também é necessário relevá-los, que valha a pena. Ora, a estrutura - programas, horários, cursos segmentados, recortes disciplinares - leva antes a não provocar senão os problemas passíveis de educação. Um professor lúcido vive com um vago sentimento de remorso : ele sabe que a situação de certos alunos não é desesperadora, que bastaria Ora, com 25-30 alunos, um programa longo, algumas horas espalhadas na semana para cada disciplina, outras classes para o professor secundário, outras tarefas para o professor primário, não dá para sonhar. Certo, um médico de cidade não pode administrar sozinho todo um hospital. Pelo menos pode, se diagnostica casos que não estão ao seu alcance, enviá-los a outros profissionais. Ele pode escolher os meios para tratar convenientemente os problemas da sua área. Ao contrário, a estrutura da profissão obriga os professores a se ocuparem de tudo um pouco e de nada a fundo. O professor é um trocador de pratos, tão ocupado em correr de um para o outro, que não pode se interessar longa e seriamente por cada um em particular.
O sentimento de rotina não está, pois, ligado à pobreza de problemas ; ela provém de uma organização do trabalho que não permite realmente senão tratar dos problemas padronizados e condena-o a viver com os outros, habitado pelo vago, mas desagradável sentimento de que poderia fazer algo de bom se
Inconfessável distância
A distância vai crescendo entre as normas dos especialistas e o que se pode fazer verdadeiramente numa classe normal. Quanto mais os conhecimentos científicos se desenvolvem sobre as situações de aprendizagem e de ensino, mais os professores são condenados a atuar tendo a consciência de sua ignorância. Ensinar a subtração ou a pontuação era, trinta anos atrás, um trabalho de bom senso pedagógico : o professor devia saber corretamente subtrair ou pontuar e ser capaz de explicar claramente as regras e técnicas elementares. Por que se tentou saber mais, além da curiosidade dos pesquisadores ? Porque essas operações aparentemente simples permanecem por longa duração e, por vezes, definitivamente vagas para uma parte dos alunos ! Para ensinar a subtração ou a pontuação àqueles que resistem a essas aprendizagens, é necessário compreender muito melhor o que se passa - ou não - no seu espírito, em que consistem exatamente as operações mentais visadas e como elas se constroem. A didática das disciplinas a esse respeito fez bastante progresso para que seja difícil conservar essa ingenuidade (Develay, 1991, 1995 ; Astolfi, 1992).
Nenhum profissional pretenderia estar a par de todos os desenvolvimentos de sua arte. Existe, necessariamente, uma distância entre a pesquisa e a prática. Mas, no campo didático e pedagógico, mudam-se os paradigmas, o cenário (Meirieu, 1989) ; já não é mais suficiente dominar os conteúdos e a comunicação pedagógica ; é preciso assimilar muito a psicologia cognitiva e a psicolingüística para saber, por exemplo, por quais operações se produz um texto escrito de tal ou tal tipo e como se consegue o seu domínio. Nós vivemos uma fase de crescimento da distância : uma parte das aquisições das ciências sociais e humanas são recentes e não foram integradas na bagagem dos professores em exercício, seja porque não estavam estabelecidas no momento de sua formação inicial, há dez, vinte ou trinta anos, seja porque esses aportes foram por longo tempo ignorados (ou seja, o são ainda !) pelos programas de formação inicial dos docentes.
Além do mais, as redefinições do papel profissional colocam uma parte dos docentes no caminho errado : suas razões de escolher esta profissão e suas competências não coincidem mais com as novas exigências. Trata-se, agora, de dialogar, ou seja, de negociar com os alunos, as famílias, as comunidades locais ; de desenvolver os projetos dos estabelecimentos ; de trabalhar em equipe pedagógica ; de cooperar com outros especialistas (psicólogos, assistentes sociais, médicos de prevenção, por exemplo). Tudo isso não fazia parte do contrato inicial. A partir de agora, visa-se a uma outra cultura profissional, a uma outra relação de mudança, a uma outra responsabilidade na escola (Gather Thurler, 1993 ; 1994 a e b).
Na hierarquia da sala de aula, a distância aumentou igualmente entre o que um docente médio sabe fazer e aquilo que se espera que ele saiba fazer. Por exemplo, construir seqüências didáticas rigorosas e situações de aprendizagem que atinjam o aluno na sua zona aproximada de desenvolvimento ; diferenciar sua ação pedagógica ; individualizar o percurso de sua formação ; praticar uma observação formativa ; desenvolver métodos ativos e atitudes cooperativas ; reforçar ou suscitar um projeto pessoal no aluno ; trabalhar sobre o valor do trabalho escolar, das situações, dos saberes ; fazer da classe uma sociedade multiétnica baseada na tolerância ; gerir a diversidade das culturas ou simplesmente das famílias (Huberman, 1988 ; Perrenoud, 1995 a).
Ninguém usaria todas essas belas idéias ao pé da letra, e menos ainda as colocaria em prática todos os dias. No entanto, hoje já não podemos mais ignorá-las como supérfluas. De algumas utopias trazidas pelo movimento da Escola Nova no início do século, a evolução da sociedade torna progressivamente uma necessidade. Se queremos levar 80% de uma geração ao nível do Bac e preparar os jovens para a sociedade que os espera, o sistema educativo não tem mais a escolha : a diferenciação do ensino ou a coexistência de culturas devem ser as verdadeiras prioridades.
Nesse movimento, como confessar tranqüilamente : não sabemos fazer ou não se está no ensino para isso ?
A liberdade sem a responsabilidade
Caracterizada por um estado de semiprofissionalização (Perrenoud, 1994 b, 1994 f), a profissão docente navega entre o respeito escrupuloso das determinações da instituição (horários, programas, modalidades de avaliação, métodos didáticos) e a busca da autonomia. A primeira postura libera a responsabilidade individual dos professores ; a segunda contenta-se freqüentemente com aquilo que chamei uma " autonomia de contrabando ", nas margens ou nos interstícios da instituição.
Os professores têm, em geral, dificuldade em explicar claramente a quem, na realidade, prestam contas. À sua hierarquia ? Pareceria que se inclinam diante da inspeção e do enquadramento. Aos seus alunos ? Eles seriam considerados ingênuos demagogos. Aos familiares dos alunos ? Pareceriam estar favorecendo os usuários da escola mais ativos ou mais elitizados. A seus colegas ? Quem acreditaria nele, tendo em vista o individualismo e o respeito mútuo dos grupos que predominam nos estabelecimentos. À sua própria consciência ? Sem dúvida, mas isso é suficiente ?
Do mesmo modo, fica bem difícil dar uma imagem nítida do tempo de trabalho dos professores fora das suas horas de classe. Para manter o status quo, dito de outra forma, a ausência de controle sobre seu tempo de preparação e de formação necessita de uma certa obscuridade.
Há um black-out, igualmente, quanto à maneira pela qual os professores cooperam com seus colegas, tratam os familiares dos alunos, negociam com os seus alunos, administram sua formação continuada. Sobre todos esses pontos, a imprecisão artística é globalmente protetora, a despeito dos preconceitos que não nos permitem desmentir formalmente. Não nos interessa se alguns professores trabalham menos que os outros ; se são intocáveis segundo o código penal ; se não atualizam seus conhecimentos didáticos ou científicos ; ou se têm uma interpretação oportunista dos programas. Cada uma dessas afirmações provocará virtuosos protestos ou categóricos desmentidos, mas sem dados precisos.
Sob esse ângulo, os professores não se empenham em se tornar visíveis porque, no estado presente da profissionalização da sua profissão, eles são tentados a jogar dos dois lados, de proteger sua liberdade sem se expor, em contrapartida, a uma verdadeira avaliação. Cada ator social sonha, é claro, em desfrutar uma liberdade total com uma impunidade total E cada categoria profissional tem interesse em projetar uma cortina de fumaça. A tecida pelos professores é muito densa.
O exame desses não-ditos mereceria mais nuanças e precauções. Essas simplificações não fazem justiça na íntegra nem à diversidade das práticas, nem à das representações sociais da profissão. Creio, no entanto, que esse breve inventário é válido para uma parte importante da profissão e basta para colocar uma questão : se essas dimensões da profissão são regularmente caladas ou adocicadas, será por razões próprias de cada uma, ou existem mecanismos comuns ? Noto pelo menos um ponto em vermelho : o fechamento da profissão docente no mito da dominação e da racionalidade e, assim, na comédia que tenta enganar os outros (ou a si mesmo) que dominam constantemente a situação.
Quem reprovaria um comediante de ter medo do público, a um vendedor de procurar seduzir, a um chefe de amar o poder, a um magistrado de julgar, a um pianista de jazz de improvisar, a um inventor de fazer tudo, a um artista de fugir da pressão do grupo, a alguém da manutenção de se aborrecer, a um político de fazer mais ou menos, a um empregado qualquer de sonhar com uma liberdade remunerada e sem risco ? A opinião pública é feita por pessoas que também exercem profissões e sabem interiormente que não se pode ser sempre racional, rigoroso, eficaz, objetivo, etc. Nenhum dos não-ditos evocados se refere a atitudes incompreensíveis ou escandalosas. Tudo isso é não somente " muito humano ", mas é humano num sentido que nada tem de desprezível, de aviltante. A sociedade - espero - deixou de recusar aos meninos o direito de chorar e às meninas, o de subir em árvores. Por que não se teria como professor o direito de ter medo ? de desfrutar de uma forma de poder ? de improvisar ? de hesitar ? de ser ambivalente quanto às responsabilidades que se assume ? A profissão docente parece-me vítima de uma exigência excessiva de domínio, de racionalidade, de respeitabilidade.
O saber tem ligação com a razão, pelo menos no absoluto. Com efeito, o saber não releva da lógica pura e da estrita objetividade, senão descontextualizado, reduzido de suas condições sociais de produção e utilização. Na vida cotidiana, servimo-nos do saber para agir, julgar, justificar, nos distinguir, confundir o outro, fazê-lo ouvir a razão. O saber é uma fonte. A relação do saber e o sentido dos saberes mantêm liames com a identidade, a imagem de si, a inserção nas relações sociais, o itinerário pessoal ou familiar (Hameline, 1971 ; Isambert-Jamati, 1990 ; Charlot, Bautier, Rochex, 1992 ; Cifali, 1994 ; Perrenoud, 1994 a ; Rochex, 1995). Uma relação inteiramente racional com o mundo é uma relação sociologicamente improvável, própria dos privilegiados cuja vida e conforto estão garantidos. Crer que a escola é um lugar de pura razão, porque nela se transmitem ou constroem os saberes, é esquecer que esses saberes alimentam as práticas e as políticas. A astronomia ou a teoria da evolução têm, em seu tempo, desencadeado as paixões. Todo discurso um pouco cru, mantido hoje a partir das ciências humanas, suscita fortes resistências ideológicas. Nem toda verdade é boa de ser dita !
Quem deve aprender o quê ? Para essa questão, não há uma resposta racional. Ao elitismo de uns opõe-se o igualitarismo de outros. Dispensar saberes é criar ou ampliar as desigualdades. É participar de um sistema de seleção cujos fundamentos nunca são consensuais, que participa da reprodução ou da mudança, da transmissão dos privilégios ou da redistribuição dos valores.
Por outro lado, a relação pedagógica não é um encontro puramente epistêmico em torno de um saber abstrato. Os atores não esquecem sua história no vestiário, suas necessidades, seus preconceitos, sua sensibilidade, as relações que se estabelecem entre eles e cujo saber pode ser o caminho ou o instrumento. O famoso triângulo didático lembra de forma útil que a relação pedagógica tem uma dimensão fundamentalmente epistemológica e que não se pode esperar que seja compreendida ao ser reduzida a uma relação intersubjetiva. Daí a esquecer que a pessoa e a sociedade investem em qualquer relação é um passo que não deve ser dado.
Com Cifali (1994), Imbert (1994) e outros, deve-se lembrar que o ensino é uma profissão do humano, uma profissão complexa, paradoxal, impossível. Profissão do humano porque passa por um encontro entre sujeitos : o outro, mesmo se ele está lá primeiramente para ensinar ou aprender é, em princípio, um outro que nós abordamos com esperanças e com medos que vêm de longe, de nossa cultura, de nossa infância. Profissão complexa, que está condenada a viver com contradições insuperáveis (Morin, 1977 ; Perrenoud, 1993 a). Profissão paradoxal : a intenção de instruir, de mudar o outro, não pode atingir seu objetivo senão aderindo a essa intenção e da qual faz em parte seu projeto. É isso que faz da educação uma praxis, que só se pode realizar colocando o outro em movimento. Ainda é um paradoxo, freqüentemente descrito, que se funda sobre uma forte dependência na conquista progressiva da autonomia, que é de trabalhar - enquanto professor - para se tornar inútil. Parodoxo também que faz de um agente do Estado um artesão independente e uma espécie de monarca reinando sobre sua pequena classe. Profissão impossível, enfim, segundo Freud (Cifali, 1986), porque as condições de seu exercício, conjugadas às resistências dos alunos, condenam-no regularmente a não atingir seu objetivo.
Hoje não há mais nada de absolutamente novo em tais abordagens antropológicas, psicanalíticas ou psicossociológicas da profissão docente. No entanto, as representações sociais mais correntes continuam extremamente racionalistas e abstratas. A moda das didáticas das disciplinas e sua concentração sobre os saberes têm provavelmente equilibrado os excessos de uma psicopedagogia estudada das relações e das aprendizagens sem conteúdo e alimentando as representações míticas do ensino como profissão do saber e da razão antes de tudo.
A quem interessa a recusa da complexidade ? Aos professores ? Quando acentuam a parte de racionalidade de sua profissão, eles confirmam, certamente, pertencer à esfera dos profissionais dos quais se inveja o domínio, fundado em profundos conhecimentos. Por essa simplificação se paga muito caro. Em relação à família e ao grande público, tal simplificação reforça o raciocínio que apontou Chevallard (1985). Os professores, diz ele, são como empregadas de casa : todos pensam que saberiam realizar seu trabalho, mas não vêem por que perder seu tempo dessa maneira, enquanto há tantas coisas mais interessantes para fazer na vida. Bem entendido, deve-se reconhecer que é necessário saber um pouco mais que os alunos e dispor de um certo bom senso pedagógico. Mas isso não está ao alcance de todo adulto instruído ? Se um bom número de pessoas pode hoje ainda pensar dessa forma, não será porque elas não percebem a complexidade de uma classe, das dinâmicas de grupo, das relações intersubjetivas, das relações do saber, dos contratos que se realizam e das desigualdades que entram em jogo ? Se os professores contassem mais abertamente do que sua vida cotidiana é feita e quais competências os mobilizam, talvez as famílias e o público fossem menos ingênuos ou indiferentes.
Pelo excesso de racionalismo também se paga caro : isso leva todos a interpretarem, sem interrupção, a comédia do domínio ; a negarem o medo, a dúvida, a fadiga, a saturação, a sedução, os prazeres narcisistas, o poder, etc. Contrariamente ao que imaginamos, a profissionalização da profissão docente não equivale à sua racionalidade abusiva, mas, ao contrário, a uma justa análise do que hoje, no exercício dessa profissão, está sob o controle de conhecimentos profundos, de conhecimentos da experiência, de hábitos ou de outras dimensões da pessoa (Gauthier, Mellouki, Tardif, 1993). Não é senão a esse preço que poderemos, em formação inicial ou continuada, trabalhar a partir das práticas reais e nelas preparar verdadeiramente (Altet, 1994 ; Perrenoud, 1994 c, d, e 1995b).
A lucidez sobre o exercício efetivo da profissão e as competências que ele exige não são, pois, um jogo acadêmico. Por um lado, tratar-se-ia de precisar, de tornar mais realista e menos racional a imagem da profissão que circula no interior das instituições de formação ; aquela que serve de base à transposição e ao contrato didático em formação inicial e contínua. Mas dificilmente podemos imaginar que perdure uma total distância entre a imagem pública da profissão e aquela que os profissionais oferecem de si mesmos, não fosse senão porque a orientação para o ensino e as primeiras imagens dessa profissão são largamente forjadas, num primeiro momento, através das imagens públicas. O realismo não poderia estar unicamente do lado dos formadores. Eles só poderão fazer seu trabalho partindo de uma imagem compartilhada pelos formados, os professores em seus lugares, os chefes dos estabelecimentos, a inspeção e, numa certa medida, a opinião pública e aqueles que querem tornar-se professores.
A imagem pública de uma profissão está, como toda representação social largamente compartilhada, condenada ao simplismo, à esquematização, à imagem de Épinal. O jogo não se proporia torná-la realista ao ponto de confundi-la. Para assumir a complexidade, é preciso ser um primitivo. Isso não impede um esforço de maior realismo. Uma semana de férias, uma vida de prof ou a instituição e quaisquer outros filmes ou programas de televisão têm, à sua maneira, feito mais para fazer conhecer a condição docente que os representantes dos sindicatos e dos ministros. Talvez não seja necessário mendigar, protestar, valorizar. Talvez, pelo menos, para aqueles que desejam compreender e são de boa fé, basta mostrar a realidade das práticas docentes. Em primeiro lugar, isso cabe aos próprios profissionais e às suas associações. Mas o esforço de dizer a verdade ficará sem efeito se a instituição não entrar no jogo. Ora, a instituição é também tentada pelo mito da racionalidade, enquanto não se pode compreender nada dos paradoxos do trabalho pedagógico sem apresentar as contradições dos sistemas democráticos e das administrações públicas. Sabemos que estão em jogo as verbas, a importância atribuída à eqüidade, às paixões que desencadeiam a seleção, o que torna tentador para todos fingir que existem mais certezas do que na realidade existem mais certezas do que na realidade existem. Esta atitude coloca a escola, e com ela os professores, numa expectativa irrealista e numa fuga curiosa para o futuro, muito aproximada do discurso dos dirigentes políticos sobre o desemprego : prometer para amanhã, contra toda realidade, os milagres que não podem ser realizados hoje
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